quarta-feira, dezembro 08, 2010

Arte: Don Pinset

“A vida é o que acontece
enquanto você está ocupado
fazendo outros planos.”

JOHN LENNON
1940 - 1980

“Então, meus caros amigos,
vocês terão que seguir em frente:
o sonho acabou.”

JOHN LENNON
1940 - 1980

dois em um

há em mim
um lado romântico
que transpira poesia
algumas horas por dia
e um lado prático
que lava os pratos
enquanto o sono não vem

© ADEMIR ANTONIO BACCA
da antologia “Poesia do Brasil” – Volume 11
Arte: Carcamo

A imprensa livre pode, com certeza,
ser boa ou ruim,
mas, certamente, sem liberdade
a imprensa nunca será boa.

Albert Camus
1913 - 1960
da preguiça

construo o amanhã
do jeito que dá:
é o sonho que tem pernas
e me leva pro lado de lá

não mexo na pedra
que atrapalha o caminho,
nem troco a palavra
que confunde o poema:
é o ponteiro das horas
quem apressa meu caminhar

construo o dia de amanhã
com o pouco que o hoje me dá:
é o canto atrapalhado do galo
quem diz a hora de acordar

não dou corda
no relógio parado,
nem reclamo se o coração dispara:
há um buraco na parede da memória
e por ele me fugiram algumas lembranças
e também se foi o ponteiro das horas.

© ADEMIR ANTONIO BACCA
da antologia “Poesia do Brasil” – Volume 12

RASGO PAPÉIS

© DALMO SARAIVA

Vou comendo trapos e tripas,
Mas por baixo dos panos
Guardo sonhos de vida.
Me presenteio o que posso
E aproveito os laços
Quando desamarro os embrulhos.
Rasgo papéis para não cruzar os braços.
Estico bem os passos
Sem pensar em encurtar o tempo.
Ajunto meus pedaços
Desse quebra cabeças
Sustentado pelo meu pescoço.
Arte: Andres Cascioli

“A vida é uma peça de teatro
que não permite ensaios.
Por isso, cante, chore, dance,
ria e viva intensamente,
antes que a cortina se feche
e a peça termine sem aplausos.”

CHARLES CHAPLIN
(1889-1977)
o maior amor do mundo
não é aquele que os poetas
tentam descrever em versos perfeitos

nem é aquele que todos nós
sonhamos encontrar um dia
na próxima esquina de um caminho
qualquer

o maior amor do mundo
não é perfeito
e quase sempre não tem pé
nem cabeça,
apenas é.

não tem curvas,
meias palavras
e sequer explicação.

o maior amor do mundo
é aquele que cabe
na palma da mão.


© Ademir Antonio Bacca

segunda-feira, novembro 22, 2010

Foto: Michel Alban
MÉRITO TALIAN 2010

Durante a realização do III FÓRUM NACIONAL DA LÍNGUA TALIAN e do XIV ENCONTRO NACIONAL DOS DIFUSORES DO TALIAN, eventos integrantes do calendário de festejos dos 135 anos da Imigração Italiana no Brasil, tive a honra de ser agraciado com o MÉRITO TALIAN 2010, por serviços prestados em favor da preservação do folclore e da língua dos primeiros imigrantes italianos vindos ao país.
A solenidade de entrega de diploma e troféu aconteceu na noite do dia 13 de novembro, no Salão de Festas do Clube Gaúcho, na cidade de Serafina Corrêa.
A promoção dos eventos foi da Prefeitura local, Federação das Associações Ítalo-Brasileiras do Rio Grande do Sul, Federação dos Vênetos do Rio Grande do Sul e Associação dos Difusores do Talian no Brasil.
A moça bonita que me entregou a distinção é Débora Ziliotto, Princesa do Cinquentenário de Serafina Corrêa, cidade onde nasci.

poeminha armado até os dentes

o brasil
não é bagdá
mas as balas
que aqui voam
matam tanto
quanto lá.

© Ademir Antonio Bacca
in “Poeta, Mostra a Tua Cara” – Vol. 7
se o teu silêncio
grita
por quê o poema
cala?

se teus olhos
se fazem rio de lágrimas
por quê a paixão não naufraga?

© Ademir Antonio Bacca
in “Poeta, Mostra a Tua Cara” – Vol. 7
Arte: Quinho

O chá de Churchill

Aconteceu num dos discursos de Churchill em que uma deputada oposicionista, Nancy Astor, conhecida por sua impertinência, pediu um aparte. Todos sabiam que Churchill não gostava que interrompessem os seus discursos. Mas concedeu a palavra à deputada. E ela, com raiva reprimida, declarou:
— Senhor Ministro, se Vossa Excelência fosse o meu marido, eu colocava veneno em seu chá!
Churchill, lentamente, tirou os óculos, seu olhar astuto percorreu a platéia e, naquele silêncio em que todos aguardavam, lascou:
— Nancy, se eu fosse o teu marido, eu tomaria esse chá com prazer!
jogo da memória

enquanto a manhã
não se anuncia
brinco no tabuleiro da memória
mexendo lembranças
de um lado para outro
tentando encaixar
nome e fatos
no jogo de perdas e ganhos
que a vida me faz jogar
todas as noites

© Ademir Antonio Bacca
in “Poeta, Mostra a Tua Cara” – Vol. 7

quarta-feira, novembro 03, 2010



Arte: La casa dell'emigrante © AGIM SULAJ
batida
de tambor
na selva
de pedra
meu poema
queria mesmo
era ser
sinal de fumaça
no teu céu

© Ademir Antonio Bacca
da antologia “Poesia do Brasil” – Volume 11

AS PALAVRAS E AS COISAS

© JOAQUIM BRANCO

A poesia vem das coisas
que se fazem dia-a-dia.

Desde o outono que começa
nessas folhas caídas pela chuva
a uma nova aragem que separa
as temperaturas da terra.

Aqui não chegam ventos alísios
ou polares frios contra o verão,
mas uma breve brisa alerta
para as amenidades do corpo.

A poesia traz as coisas para si
e de si as reinventa para a vida.

Ela alimenta o poema que volta
de novo às coisas para habitar o mundo.

do livro “Jogo de Palavras”

o rio dos meus olhos

o rio
que agora banha
meus dias,
tem o sal
de muitas lágrimas
misturado a suas águas

tanta vida que se foi,
acordes dispersos no ar

sonhos que o vento levou
em madrugadas profanas

a água
que alimenta
o rio dos meus olhos
move o moinho da saudade
na noite que não acaba

toda paixão
que não tem
porto seguro
naufraga
na entrada do cais

© Ademir Antonio Bacca
da antologia “Poesia do Brasil” – Volume 11

manual dos pequenos atos

tramas
teias
e poemas
se tecem
com paciência

o pão
se amassa
com movimentos
fortes

o mapa
do corpo
da mulher amada
se desenha
com cautela

© Ademir Antonio Bacca
da antologia “Poesia do Brasil” – Volume 11

“É possível ser
um homem honesto
e fazer maus versos”.

MOLIÉRE
1622 - 1673
A pequena morte

© EDUARDO GALEANO

Não nos provoca riso o amor quando chega ao mais profundo de sua viagem, ao mais alto de seu vôo: no mais profundo, no mais alto, nos arranca gemidos e suspiros, vozes de dor, embora seja dor jubilosa, e pensando bem não há nada de estranho nisso, porque nascer é uma alegria que dói. Pequena morte, chamam na França, a culminação do abraço, que ao quebrar-nos faz por juntar-nos, e perdendo-nos faz por nos encontrar e acabando conosco nos principia. Pequena morte, dizem; mas grande, muito grande haverá de ser, se ao nos matar nos nasce.

quinta-feira, outubro 07, 2010


Arte: Baptistão
“A liberdade e a democracia
são o verdadeiro caminho do progresso,
que acredito que seja o papel
de um escritor defender"

MARIO VARGAS LLOSA
Prêmio Nobel de Literatura 2010


segunda-feira, junho 21, 2010

Arte: Cortez
“Falta-nos reflexão, pensar,
precisamos do trabalho de pensar,
e parece-me que, sem idéias,
não vamos a parte nenhuma”.

JOSÉ SARAMAGO
(1922 – 2010)

Arte: Leandro Franco

POEMA À BOCA FECHADA

JOSE SARAMAGO
(1922 – 2010)

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que não me conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais boiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.


(De “Os Poemas Possíveis”, 1966)

segunda-feira, maio 10, 2010

Arte: Contes Erotiques © Vladimir Kush

daquilo que importa

não importa o prato na mesa,
se ele não te saciar a mais íntima
de todas as fomes

não importa a poesia,
se ela não te abrir as janelas da vida
todos os dias

não importa a ponte,
se ela só te levar
até o outro lado do rio

não importa a palavra,
se ela só te consolar
no meio da rua

não importa a vida,
se ela é só armadilha

importa sim, o amor
mesmo que,
de vez em quando,
ele mate

© Ademir Antonio Bacca
in “Poesia do Brasil – volume 10”

testamento

deixo o corpo cansado
e um fardo de emoções
já um tanto pesado de carregar

deixo sonhos por sonhar
abraços por dar
e palavras ao vento

deixo sementes por plantar
pedras por lapidar
e amanhãs por inventar

deixo um caminho pela metade
paixões mal resolvidas
e pontes por atravessar

deixo poemas incompletos,
um arco-íris no olhar
e tantas lágrimas ainda por chorar

barco longe do cais,
deixo o vento me levar.

© Ademir Antonio Bacca
in “Poesia do Brasil – volume 10”
Arte: Cristobal Reinoso (Argentina)

RASGO PAPÉIS

© DALMO SARAIVA

Vou comendo trapos e tripas,
Mas por baixo dos panos
Guardo sonhos de vida.
Me presenteio o que posso
E aproveito os laços
Quando desamarro os embrulhos.
Rasgo papéis para não cruzar os braços.
Estico bem os passos
Sem pensar em encurtar o tempo.
Ajunto meus pedaços
Desse quebra cabeças
Sustentado pelo meu pescoço.

daquilo que não escapo

nada de grades
nada de algemas
e mesmo assim
irremediavelmente
preso aos teus encantos

© Ademir Antonio Bacca
in “Poesia do Brasil – volume 10”

daquilo que cabe no poema

cabe mais
que um mundo
no poema

cabem
todas as dores
da paixão
também
e a emoção
de caminhar
no fio de arame

cabe mais
que um mundo
na entrelinha
do poema

principalmente
os sonhos
que as palavras
nem sempre
conseguem explicar

© Ademir Antonio Bacca
in “Poesia do Brasil – volume 10”

sexta-feira, abril 02, 2010

Arte: Sebastian Kruger

SEBASTIAN KRUGER — Já devo ter confessado em algum post anterior a minha paixão por caricaturas. Gasto muitas horas de internet procurando aumentar minha coleção que já deve passar das 30 mil. São muitos os meus caricaturistas preferidos e seguido tenho publicado trabalhos de alguns aqui no blog. Aos poucos pretendo apresentar os autores da minha admiração. Começo hoje por um alemão genial, que tem obsessão pelos Rolling Stones, tanto que já publicou diversos livros só com caricaturas, desenhos e pinturas dos integrantes da banda, especialmente a dupla Keith Richards & Mike Jagger.
O trabalho de Sebastian Kruger é admirado e colecionado por notáveis de Hollywood, o que dá uma dimensão do seu talento.
Nasceu em Hamlin no ano de 1963 e ganha a vida como ilustrador e pintor, usando diversas técnicas de pintura, as quais muitas vezes parecem fotografias de tão realistas que são.
Quem quiser conhecer um pouco mais da genialidade de Sebastian Kruger é só dar uma espiada em seu site e se deliciar:
http://www.krugerstars.com/
Arte: Angel Boligán


EMBRIAGAI-VOS


É necessário estar sempre bêbado. Tudo se reduz a isto: eis o único problema. Para não sentirdes o fardo horrível do Tempo, que vos abate e vos faz pender para a terra, é preciso que vos embriagueis sem tréguas.
Mas – de que? De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor. Contando que vos embriagueis.
E, se algumas vezes, sobre os degraus de um palácio, sobre a verde relva de um fosso, na desolada solidão do vosso quarto, despertardes, com a embriaguez já atenuada ou desaparecida, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai-vos que horas são; e o vento, e a vaga, e a estrela, e o pássaro, e o relógio hão de vos responder:
- É hora da embriaguez! Para não serdes os martirizados escravos, do Tempo, embriagai-vos; embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor.

BAUDELAIRE
1821 - 1867
dos reencontros

o teu abraço
acende em mim
um velho lampião
de lembranças

tanta saudade
do teu cheiro
que a vida até parecia
ter perdido a graça

© Ademir Antonio Bacca
do livro “Grito por dentro das palavras”
Arte: Ismael Roldan

“Nossa vida nada mais é
que um curto circuito de luz
entre duas eternidades
de escuridão”.

VLADIMIR NABOKOV
1899 - 1977

Arte: Liberati
ÁGUA POR TODOS OS LADOS

© D. HELDER CÂMARA
07/02/1905 – 27/08/1999

Nem sombra de margem...
Nem sombra de sombra de terra...
Nem sombra de sombra de homens...
A quem entregarei
o ramo de oliveira
que o Pai me encarrega
de entregar
a quem o segure,
e plante,
e dele cuide
como a árvore de paz!?...

Arte: Roberto Bérgamo


PIOLIN — Comemora-se o Dia do Circo no dia 27 de março, em homenagem ao palhaço brasileiro Piolin, que nasceu nesta data na cidade paulista de Ribeirão Preto, no ano de 1897. Considerado por todos que tiveram o privilégio de vê-lo em ação um grande palhaço, Piolin se destacava por sua enorme criatividade cômica e por suas habilidades como ginasta e equilibrista. Seus contemporâneos diziam que ele era o pai de todos os que, de cara pintada e colarinho alto, sabiam fazer o povo rir. Pode-se dizer que as artes circenses surgiram na China, onde foram descobertas pinturas de quase 5.000 anos, nas quais aparecem acrobatas, contorcionistas e equilibristas. A acrobacia era uma forma de treinamento para os guerreiros, de quem se exigia agilidade, flexibilidade e força. Com o tempo, a essas qualidades se soma a graça, a beleza e a harmonia. O circo sempre, através dos anos, encantou crianças, jovens e adultos, seja como forma de diversão ou de educação.
Tempos atrás, fui autografar na Feira do Livro de Ribeirão Preto e tive o prazer de me hospedar na casa da escritora JAIR IANNI. Ali conheci o projeto da biografia de Piolin a que ela se dedicava há muitos anos. A partir de então também passei a acompanhar a sua luta pela publicação do livro, o que só viria a acontecer muito tempo mais tarde.
Por uma daquelas coincidências da vida, ainda naquela minha primeira estada em Ribeirão Preto, levado pela artista plástica Marina Zamboni Braghetto, fui a Batatais conhecer os famosos murais de Portinari na catedral, cuja cúpula foi projetada pelo pai de Marina, o arquiteto italiano Carlo Zamboni. Quem nos ciceroneou na visita foi um pintor local, Roberto Bérgamo, que também tem mural no interior da catedral.
Alguns anos depois, finalmente recebi o livro de JAIR IANNI e para minha surpresa e alegria, as ilustrações do mesmo, geniais por sinal, são assinadas por Bérgamo. O resultado foi um livro gostoso de se ler e muito bonito de se ver.
A propósito, Jair ocupa a cadeira nº 29 na Academia de Letras e Artes de Ribeirão Preto, que tem como patrono ABELARDO PINTO, ou, se preferirem, simplesmente PIOLIN, o maior palhaço brasileiro de todos os tempos.
das agonias

E se o palhaço
rir na hora errada?
E se o equilibrista
estiver embriagado?
E se o domador
borrar as calças?
E se o mágico
sumir do mapa?
E se o eleitor
pensar duas vezes
antes de votar?
E se o atirador de facas
não encontrar as lentes de contato?
E se o malabarista
trocar as bolas?

O que será de todos nós
se o sonho cair do trapézio?

© Ademir Antonio Bacca
do livro “Panis et Circenses”

sábado, março 13, 2010

Arte: "Masque Rouge" © Juan Alberto
lições do arame

equilibrar a paixão
no fio de arame
me ensinou os atalhos
da vida
passo
a
passo

descobri
que a emoção
não se equilibra
com a voz do coração

do alto do arame
a vida ensina
que o que mais importa
não é o amor
e sim,
não errar o passo

© Ademir Antonio Bacca – do livro “Grito por dentro das palavras”
se é só a tua lembrança
que me visita
nas madrugadas insones
então, por que
o sabor dos teus lábios
na minha boca
todo amanhecer?


© Ademir Antonio Bacca – do livro “Grito por dentro das palavras”

das coisas em que acredito

até aonde meus olhos
alcançam
eu acredito em tudo
aquilo que eu vejo

dali em diante
acredito em tudo
aquilo que imagino


© Ademir Antonio Bacca – do livro “Grito por dentro das palavras”
Arte: “Crianças no futuro” © Sevket Yalaz
as pedras da memória – canto um

Para o Badoga

percorro o mapa da cidade
com a pressa daqueles
que desvendam
o corpo da mulher amada
pela primeira vez

busco velhas lembranças
que num tempo qualquer
deixei para trás
quando saí em busca
do tesouro escondido
atrás do teu olhar

percorro os labirintos da memória
com a angústia daqueles
que sabem que os ponteiros das horas
não andam para trás

onde a velha casa
que abrigou nossos sonhos?
onde a batida na bigorna
que orientava nossos passos?

percorro o mapa da cidade
com a dor daqueles
que descobrem que a cidade
nunca mais cantará
a nossa canção

© Ademir Antonio Bacca – do livro “O Relógio de Alice”

as pedras da memória – canto 2

Para Jayme Cimenti

te recordas, amigo,
desta rua
que agora corre
com mais pressa
do que corria
nos nossos verdes anos?

quantos sonhos lapidamos
em cada esquina
da velha cidade
que não existe mais?

tanto tempo que se foi,
tantos de nós que não voltaram
e nem por isso
nos deixamos embrutecer!

ainda recordo, amigo,
da vida que corria
por esta rua
e um dia começou, aos poucos,
a nos escapulir

de cada sonho
que amanheceu fora de hora
guardo o gosto de sal;
de cada abraço de despedida,
o amargo de nunca mais

te recordas, amigo,
dos amigos que se perderam
no fim desta rua?

quantos ainda saberão
que os vestígios da nossa infância
continuam gravados
na memória das pedras
da velha cidade
que ainda resistem
aos novos tempos?

têm pressa as ruas
da nova cidade, amigo

correm ao encontro
do tempo que virá,
mas sabem que nas suas pedras
estarão cimentados para sempre
os nossos sonhos de meninos.


© Ademir Antonio Bacca – do livro “O Relógio de Alice”

as pedras da memória – canto 3

Para Leila Pasquetti

não é tristeza
que traça o mapa
da velha cidade
que ainda se desenha
dentro de mim.

só saudade do que ela
foi um dia

© Ademir Antonio Bacca – do livro “O Relógio de Alice”