quarta-feira, julho 26, 2006



TERCEIRO ENCONTRO COM QUINTANA
Meu terceiro e último encontro com Quintana foi numa manhã de junho de 1988, quando em companhia da então Secretária de Educação da cidade de Serafina Corrêa, Jonalda Fornari Soccol, estive no apartamento que ele ocupava no Residence Hotel, na rua André da Rocha. Levamos a ele o pedido para que ele autorizasse que batizássemos a Biblioteca Pública de nossa cidade natal com seu nome, o que o deixou muito emocionado. Passamos uma manhã muito agradável ouvindo suas histórias. Também nos acompanhavam o tradicionalista Nico Fagundes (que naquele dia fez as pazes com o poeta, estranhados que andavam há alguns anos), sua esposa Guiga e o poeta Rossyr Berny.
Depois tive outros três contatos com o poeta, todos por escrito: primeiro uma carta que ele me mandou e que sua sobrinha Helena leu na inauguração da Biblioteca Pública Mario Quintana, em julho de 1988. A segunda, uma pequena entrevista que ele respondeu de próprio punho com sua letra já tremida, para o Jornal Garatuja. A última, uma mensagem agradecendo meu convite para que ele participasse da abertura do 1º Congresso Brasileiro de Poesia, em Nova Prata. Estes três documentos, junto com as fotos postadas neste blog, fazem parte da exposição que a Biblioteca Castro Alves, daqui de Bento Gonçalves, inaugura no próximo final de semana.

SEGUNDO ENCONTRO COM QUINTANA
Meu segundo encontro com Mario Quintana aconteceu na noite do dia 7 de novembro de 1978 em Porto Alegre, na Livraria Coletânea, quando eu e Vânia Elizabeth Larentis lançamos o livro "Boca do Mundo" e o poeta mais uma vez nos prestigiou com sua presença.
EU ESCREVI UM POEMA TRISTE
Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!

MARIO QUINTANA

PRIMEIRO CONTATO COM QUINTANA
Foi na tarde de 14 de outubro de 1976, no Salão Nobre da Prefeitura de Bento Gonçalves, quando eu, Vânia Elizabeth Larentis e Jovino Nolasco de Souza lançamos o livro "Uma Porta Aberta". Na foto acima, Quintana autografando um livro para mim, que me roubaram alguns anos depois.
"A vida são deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas...
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, já é Natal...
Quando se vê já terminou o ano...
Quando se vê, não sabemos mais por onde andam nossos amigos.
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê, passaram-se 50 anos
Agora, é tarde demais para ser reprovado.
Se me fosse dado, um dia, uma oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando, pelo caminho,
a casca dourada e inútil das horas.
Seguraria todos os meus amigos, que já não sei onde e como estão, e diria:

Vocês são extremamente importantes para mim.
Seguraria o meu amor, que está, há muito, à minha frente, e diria:
Eu te amo.
Dessa forma, eu digo: não deixe de fazer algo que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter alguém ao seu lado, ou de fazer algo, por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá, será desse tempo que infelizmente... não voltará mais."

MARIO QUINTANA
Foto: Liane Neves - Arte: Beto Rolim
CEM ANOS DE MARIO QUINTANA
No próximo domingo, o Rio Grande do Sul comemora o centenário de nascimento do seu poeta maior. A exemplo do que ocorreu no ano passado, quando comemoramos o centenário de nascimento de Érico Veríssimo, o estado todo mobiliza-se para reverenciar um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos.
Tive o privilégio de ter tido Mario Quintana como padrinho de lançamento do meu primeiro livro. Foi em 1976, quando juntamente com Vania Elizabeth Larentis e Jovino Nolasco de Souza lançamos "Uma Porta Aberta" no Salão Nobre da Prefeitura Municipal, dividindo a tarde com o também inesquecível poeta Oscar Bertholdo, que lançou o livro "Lugar". Dois anos depois Quintana nos prestigiou mais uma vez, a mim e a Vânia, quando lançamos em Porto Alegre, na Livraria Coletânea, o livro "Boca do Mundo". Por fim, meu último contato pessoal com o poeta foi quando estive em seu hotel, em 1988, para pedir-lhe autorização para que batizássemos a biblioteca de minha cidade natal, Serafina Corrêa, com o seu nome. Aproveitarei este espaço para recordar estes momentos postando fotos que guardo como relíquia.

terça-feira, julho 25, 2006

dos silêncios

gritam
os teus olhos
mais que bocas
falantes

o teu
é um silêncio
que berra!

© Ademir Antonio Bacca
do livro “Plano de Vôo”
boteco

entre velhas paredes
ideologias gastas
em noites de boemia
assombram garrafas
vazias

© Ademir Antonio Bacca
do livro “Plano de Vôo”
POEMAS QUE GOSTO (26)

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

© FERREIRA GULLAR
De “Na Vertigem do Dia” (1975-1980)

sábado, julho 22, 2006



JACEK YERKA

Há pouco descobri o maravilhoso trabalho deste artista polonês. Aqueles que gostam de arte digital não podem deixar de conhecer a sua obra. Já está na galeria dos meus preferidos.

sabor amargo

dos frutos
da primeira árvore
que plantei
meus lábios
não sentiram
o sabor.

o abacateiro carregado
não foi
no caminhão de mudança.

© Ademir Antonio Bacca
do livro “Plano de Vôo”
corre
em minhas veias
um rio rebelde
que não respeita
a realidade
e arrasta fantasias

mas pulsa
dentro de mim
um coração
que cala
paixões
mal resolvidas

© Ademir Antonio Bacca
do livro “Plano de Vôo”
POEMAS QUE GOSTO (25)

O POETA E A POESIA

Não é o poeta que cria a poesia.
E sim, a poesia que condiciona o poeta.
Poeta é a sensibilidade acima do vulgar.
Poeta é o operário, o artífice da palavra.
E com ela compõe a ourivesaria de um verso.
Poeta é ser ambicioso, insatisfeito,
procurando no jogo das palavras,
no imprevisto texto, atingir a perfeição
inalcançável.
O autêntico sabe que jamais
chegará ao prêmio Nobel.
O medíocre se acredita sempre perto dele.
Alguns vêm a mim.
Querem a palavra, o incentivo, a apreciação.
Que dizer a um jovem ansioso na sede precoce de
lançar um livro...
Tão pobre ainda a sua bagagem cultural,
tão restrito seu vocabulário,
enxugando lágrimas que não chorou,
dores que não sentiu,
sofrimentos imaginários que não experimentou.
Falam exaltados de fome e saudades, tão desgastadas
de tantos já passados.
Primário nos rudimentos de sua escrita
e aquela pressa moça de subir.
Alcançar estatura de poeta, publicar um livro.
Oriento para a leitura, reescrever,
processar seus dados concretos.
Não fechar o caminho, não negar possibilidades.
É a linguagem deles, seus sonhos.
A escola não os ajudou, inculpados, eles.
Todos nós temos a dupla personalidade.
O id e o ego.
Um representa a sua vida física, material
completa.
Pode ser brilhante, enriquecida de valores que
ajudam a ser felizes,
pode ser angustiada e vacilante, incerta,
insatisfeita.
Mesmo possuindo o que deseja, nada satisfazendo.
O id representa sua vida interior paralela,
ambivalente,
exercendo seu comando em descargas nervosas,
no eterno conflito entre a razão e o impulso
incontrolado.
Dupla vida inter e extra, personalidade se
contrapondo.
Pode ser trivial e dependente, podemos fazê-la
rica e cheia de nobreza,
nos valendo da força incomensurável do pensamento
positivo
emanado da vida interior que é o nosso mundo,
invisível a todos, sensível ao nosso ego.
Há sempre uma hora maldita na vida de um homem.
Pode levá-lo ao crime e às paredes sombrias de uma
cela escura.
Um curto circuito nas suas baterias carregadas,
uma descarga nas linhas de transmissão potencial.
Daí, fatos aberrantes que surpreendem.
Conclusões demolidoras de um passado brilhante.


CORA CORALINA
(1889-1985)

quinta-feira, julho 20, 2006

Soneto do Amigo

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com os olhos que contem o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual à mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

(Vinícius de Moraes)

Voa, FERNANDO!
Na véspera do "dia do amigo", acabamos perdendo um grande amigo. O jornalista FERNANDO RACHELE alçou vôo para outras paragens. Foi uma amizade que se prolongou por mais de duas décadas e se aprofundou nos últimos anos, quando tive o privilégio de ser comandado por ele na Rádio Viva AM de Bento Gonçalves, onde integro a equipe do "Programa Sem Nome".
Fica uma lição de camaradagem e de competência de um homem que estava alguns anos à frente do seu tempo. VOA, FERNANDO!
girassol

toda vez que passas
em direção ao fim da tarde
meus olhos te acompanham
até desapareceres
na linha do horizonte

© Ademir Antonio Bacca
* do livro “Plano de Vôo”
Cachaça

de repente
a vida descendo
macia
na mesa de bar
em doses
de pura poesia

© Ademir Antonio Bacca
* do livro “Plano de Vôo”
Algum tempo atrás, os escritores Armindo Trevisan, Dilan Camargo, Jaime Vaz Brasil e Izabel Bellini Zielinsky promoveram um ato pela paz que resultou num livro reunindo textos sobre o tema de diversos autores gaúchos. Tive a alegria de ter este meu poema selecionado, que faz parte do livro “Paz Um Vôo Possível”, lançado pela Editora AGE. E convenhamos, nunca andamos tão necessitados desta palavra tão forte e tão pequena, não é?

Desarmar espíritos

Há tiros nas ruas de Bagdá e Cabul
enquanto meninos russos correm nus
pelas ruas de Beslan
fugindo de balas perdidas.

De repente
parece que o relógio quebra o tempo
em duas partes,
uma marcando as páginas de jornal
com sangue inocente
a outra, enterrando de vez
nossas esperanças de paz.

Há tiros no Morro da Rocinha
e no subúrbio de Madri
enquanto crianças russas
são enterradas em Beslan
diante de nossos olhos estarrecidos.

Como ousar pronunciar a palavra paz
se não somos capazes de desarmar
nosso espírito de vingança?

Há medo nas ruas de Bagdá e Cabul
enquanto a paz se equilibra
num último fio de esperança em Tel Aviv,
à espera do próximo disparo.

© Ademir Antonio Bacca
* da antologia “Paz Um Vôo Possível”

sábado, julho 15, 2006

coisas da paixão


Ela sempre
me volta
com a chuva
e uma desculpa
esfarrapada

e eu sempre
abro minhas portas
com a pressa
de menino
que acredita
em contos
de fadas.

© Ademir Antonio Bacca
* do livro “O Relógio de Alice”