quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Arte: "Masque à Venice" © Juan Alberto

Era isso, John?

beber
as emoções todas
no cálice da ousadia;

sonhar
todos os sonhos imagináveis
da maneira mais louca possível;

quebrar
todas as regras de comportamento

e desafiar
todas as leis,
em todos os países.

E depois, John,
vestir paletó e gravata
e renegar o tempo
que passou?

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”
Arte: "Shaskespeare" © Olbinski

“Nossas vidas são tecidas
pelo mesmo fio
dos nossos sonhos.”

WILLIAN SHAKESPEARE

Arte: Liberati
Que toda palavra
nasça
da ação e da meditação.
Sem ação
ou tendência à ação
ela será apenas teoria
que está levando os jovens
ao desespero.

Se ela é apenas ação
sem meditação
ela acabará no ativismo
sem fundamento,
sem conteúdo,
sem força...

Presta honras ao Verbo eterno
servindo-te da palavra
de forma
a recriar o mundo.

© D. HELDER CÂMARA
07/02/1905 – 27/08/1999

Arte: "Protection" © Angel Boligán

carpintaria

escrever um poema
é serviço de carpintaria

a habilidade de martelar um prego
tem a ver com a sutileza de uma palavra
esparramando-se na folha de papel

a paciência de buscar a palavra certa
num ninho de fantasias
tem a ver com a firmeza
em acertar o encaixe de cada tábua

assim como sabe o carpinteiro
ser fundamental a sincronia de prego e martelo,
o poeta precisa dosar realidade e fantasia
em cada paixão a que se entrega

escrever um poema
é serviço de carpintaria:
árduo e cansativo,
algumas vezes repetitivo
como a luta entre o prego
e o martelo

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”


Fonógrafo


No dia 19 de fevereiro de 1878, o inventor norte-americano Thomas Edison patenteia o fonógrafo. Edison é até hoje o maior inventor de todos os tempos, tendo sido autor de 1093 inovações, entre elas a lâmpada elétrica.

Arte: Baptistão

"A cada dia que vivo mais me convenço
de que o desperdício da vida
está no amor que não damos,
nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca.
E, esquivando-se do sofrimento,
perdemos também a felicidade."

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902-1987
não quero saber
dos teus segredos
nem da tua história

de ti
me basta o mistério
daqueles que desembarcam
dos sonhos
das madrugadas furtivas
e se lançam ao mar
sem medo da tempestade

© Ademir Antonio Bacca


“É preciso desterrar totalmente a idéia
de que o homem que ocupa uma função
de dirigente de massas tenha algo mais a dizer
do que o resto do povo.
O dirigente é apenas um representante do povo.”


CHE GUEVARA
(1928-1967)

ao natural

há aqueles
que inventam a paixão
ao seu jeito

nos mínimos detalhes

eu sou dos que
acreditam que a pólvora
não precisa ser inventada
duas vezes
e deixo o amor acontecer
do jeito que ele vier

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”


CARTA DE EDUARDO GALEANO ENDEREÇADA AO FUTURO


Prezado Senhor Futuro,
Com a minha maior consideração:
Estou lhe escrevendo esta carta para pedir-lhe um favor. O senhor saberá desculpar-me o incômodo.
Não, não tema, não é que queira conhecê-lo. O senhor há de ser muito solicitado, haverá tanta gente que quererá ter o prazer; mas eu não. Quando alguma cigana me toma a mão para ler-me o porvir, saio correndo em disparada antes que ela possa cometer tal crueldade.
E, no entanto, você, misterioso senhor, é a promessa que nossos passos perseguem querendo sentido e destino. E é este mundo, este mundo e não outro mundo, o lugar onde o senhor nos espera. A mim e aos muitos que não acreditamos nos deuses que nos prometem outras vidas nos mais longínquos hotéis de Mais Além.
E aí está o problema, senhor Futuro. Estamos ficando sem mundo. Os violentos o chutam, como se fosse uma bola. Jogam com ele os senhores da guerra, como se fosse uma granada de mão; e os vorazes o espremem, como se fosse um limão. A este passo, temo, mais cedo do que tarde, o mundo poderá ser não mais do que uma pedra morta girando no espaço, sem terra, sem ar e sem alma.
Disso se trata, senhor Futuro. Eu lhe peço, nós lhe pedimos, que não se deixe desalojar. Para estar, para ser, necessitamos que o senhor siga estando, que o senhor siga sendo. Que o senhor nos ajude a defender a sua casa, que é a casa do tempo.
Quebre-nos esse galho, por favor. A nós e aos outros: aos outros que virão depois, se tivermos depois.
Saúda-te atentamente,

Um Terrestre


© EDUARDO GALEANO — Tradução: Verena Glass

sábado, fevereiro 10, 2007

Arte: "Electra" © Jody Harmon

isca

a
poesia
é
anzol
jogado
ao
acaso
no
meio
da
vida

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”
Arte: Carlinhos
PIXINGUINHA

Se alguém disser “Alfredo da Rocha Vianna Filho”, pouca gente vai saber de quem se está falando. Mas se disser “Pixinguinha”, aí todo mundo saberá que a referência diz respeito a um dos maiores gênios da história da música popular brasileira de todos os tempos.
Com um domínio técnico e um dom de improvisação encontrados nos grandes músicos de jazz, é considerado o maiorflautista brasileiro de todos os tempos, além de um irreverente arranjador e compositor. Entre suas composições de maior sucesso estão “Carinhoso”, “Lamento” e “Rosa”. Na década de 1940, sem a mesma embocadura para o uso da flauta e com as mãos trêmulas devido à sua devoção ao uísque, Pixinguinha trocou a flauta pelo saxofone, formando uma dupla com o flautista Benedito Lacerda. Fez uma parceria famosa com Vinícius de Moraes, na trilha sonora do filme Sol sobre a Lama, em 1962.
Morreu no dia 17 de fevereiro de 1973.


Em fevereiro de 1922, jovens poetas, escritores e artistas liderados por Mario e Oswald de Andrade reuniram-se para organizar três festivais, que seriam apresentados no Teatro Municipal de São Paulo. O objetivo era revolucionar a arte brasileira e romper de vez com o academicismo presente nas artes plásticas, na literatura e na música. Influenciados pela vanguarda artística européia, formada por surrealistas, futuristas e dadaístas, os modernistas paulistas desejavam expor o que acreditavam ser uma " nova arte nacional", criada a partir da "antropofagia cultural", que, segundo eles, seria a característica básica da sociedade brasileira. Isto tudo aconteceu nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro e o evento acabou entrando para a história como “Semana de Arte Moderna” e acabou sendo o divisor das águas no cenário cultural brasileiro do século passado.



cais

em ti
aporto versos
mal feitos
e medos
acumulados
em temporais
que, por pouco,
não me levaram
a pique

em teus braços
ancoro palavras
e sonhos cansados
de tudo que vem do mar
feito onda que não cansa
de dar na praia

em ti
aporto sonhos
de palavras
que rasgam as trevas
e anunciam novas manhãs.

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”

Arte: Alalé
JULIO CORTÁZAR

No dia 12 de fevereiro de 1984, a literatura latino-americana perdia um dos seus nomes mais expressivos. Nascido em Bruxelas em 1914, JULIO CORTÁZAR produziu uma obra que explorou as fronteiras entre realidade e inrealidade e foi apontada pela crítica como uma das mais representativas da ficção fantástica de nosso tempo. Iniciou a vida como professor secundário em Buenos Aires e depois recusou uma cátedra universitária, por opor-se ao regime peronista. Contratado como tradutor pela UNESCO (1952), radicou-se em Paris e tornou-se cidadão francês (1982). Estreou na literatura com o poema dramático Los reyes (1949) seguido do seu primeiro livro de contos, Bestiário (1951). Morreu em Paris. De todos os seus livros, o meu preferido é “O Jogo da Amarelinha”.
o fio imaginário
que divide a razão
e a paixão
torna toda travessia
perigosa batalha emocional

se ganha a razão,
enfraquece-se a paixão

se ganha a paixão,
fortalece-se a insensatez

na verdade,
o fio imaginário
que existe entre a razão e a paixão
deveria ser estopim
para incendiar todas as madrugadas
vazias

© Ademir Antonio Bacca
Arte: El Paco
BOB MARLEY

Cantor, compositor e guitarrista, Robert Nesta Marley nasceu em St. Ann, na Jamaica, no dia 6 de fevereiro de 1945. Ex-integrante da banda The Waillers, da qual participavam também Peter Tosh e Bunny Livingson, foi o responsável pela difusão do reggae para o mundo. Mesmo com sua morte prematura devido a um melanoma, em 11 de maio de 1981, ainda hoje suas músicas são ouvidas por uma legião de fãs espalhados pelos quatro cantos do continente.
não arrumo os livros
jogados ao acaso
nas prateleiras

nem a roupa
nas devidas gavetas

não arrumo a vida
em emoções antecipadas

nem tenho
a gaveta de sonhos
permanentemente fechada
a sete chaves

a vida eu levo
do jeito que dá

© Ademir Antonio Bacca
Arte: gravura em cobre de Fernando Gomes
Um dos maiores épicos portugueses, LUIZ VAZ DE CAMÕES, nasceu no dia 04 de fevereiro de 1524, em Lisboa. É conhecido há séculos, principalmente pela obra “Os Lusíadas”. Amplamente traduzido e admirado, é considerado por muitos a figura maior da língua e da literatura portuguesas. São suas a coletâneas das Rimas (1595, obra lírica), o Auto dos Anfitriões, o Auto de Filodemo (1587), o Auto de El-Rei Seleuco (1645) e Os Lusíadas (1572). Morreu em 1580.

Amor é fogo que arde sem se ver

© Luis Vaz de Camões

Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?


memória

não é tristeza
que traça o mapa
da velha cidade
que ainda se desenha
dentro de mim.

só saudade do que ela foi.

© Ademir Antonio Bacca