segunda-feira, janeiro 29, 2007

Arte: "Footprints" © Sigfried Zademack


APEGADO A MIM

© GABRIELA MISTRAL
1889 - 1957

Floco de lã de minha carne,
que em minha entranha eu teci,
floco de lã friorento,
dorme apegado a mim!
A perdiz dorme no trevo
escutando-o latir:
não te perturbem meus alentos,
dorme apegado a mim!
Ervazinha assustada
assombrada de viver,
não te soltes de meu peito:
dorme apegado a mim!
Eu que tudo o hei perdido
agora tremo de dormir.
Não escorregues de meu braço:
dorme apegado a mim!
um tiro
aqui
outro tiro
ali
nenhuma
dúvida
de que
Bagdá
é
aqui.


© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”
Arte: Jose Serrudo
ATAHUALPA YUPANQUI

Atahualpa Yupanqui, (Héctor Roberto Chavero), nasceu em Pergaminho, Província de Buenos Aires, no dia 22 de janeiro de 1908. Cantor, ‘payador’, instrumentista, escritor, poeta e compositor, tornou-se uma das vozes mais fortes da música latino-americana, ao lado de Mercedes Sosa, uma de suas intérpretes preferidas. Suas músicas e ‘payadas’ de forte cunho político causaram-lhe diversos problemas com governantes ditatoriais, o que levou-o ao exílio por muitos anos. Como escritor publicou: Piedra sola (1940), Aires indios (1943), Cerro Bayo (1953), Guitarra (1960), El canto del viento (1965), El payador perseguido (1972) y La Capataza, (1992). Entre suas músicas mais conhecidas estão: Basta ya, Chacarera de las piedras, Duerme negrito, Guitarra dímelo tu, Los ejes de mi carreta e Los hermanos. Em 1992 retornou à França, onde havia sido lançado por Edith Piaf, para uma série de apresentações, mas acabou morrendo na cidade de Paris no dia 23 de mayo daquele mesmo ano.


LOS HERMANOS
© Atahualpa Yupanqui y Pablo Del Cerro
Yo tengo tantos hermanos
que no los puedo contar.
En el valle, la montaña,
en la pampa y en el mar.
Cada cual con sus trabajos,
con sus sueños, cada cual.
Con la esperanza adelante,
con los recuerdos detrás.

Yo tengo tantos hermanos
que no los puedo contar.

Gente de mano caliente
por eso de la amistad,
Con uno lloro, pa’ llorarlo,
con un rezo pa’ rezar.
Con un horizonte abierto
que siempre está más allá.
Y esa fuerza pa’ buscarlo
con tesón y voluntad.
Cuando parece más cerca
es cuando se aleja más.
Yo tengo tantos hermanos
que no los puedo contar.
Y así seguimos andando
curtidos de soledad.
Nos perdemos por el mundo,
nos volvemos a encontrar.
Y así nos reconocemos
por el lejano mirar,
por la copla que mordemos,
semilla de inmensidad.
Y así, seguimos andando
curtidos de soledad.
Y en nosotros nuestros muertos
pa’ que nadie quede atrás.
Yo tengo tantos hermanos
que no los puedo contar,
y una novia muy hermosa
que se llama ¡Libertad
!
tamanho não é documento

o maior amor do mundo
não é aquele que os poetas
tentam descrever em versos perfeitos

nem é aquele que todos nós
sonhamos encontrar um dia
na esquina de um caminho
qualquer

o maior amor do mundo
não é perfeito
e quase sempre, não tem pé
nem cabeça
apenas é.

não tem curvas,
meias palavras
e sequer explicação.

o maior amor do mundo
é aquele que cabe
na palma da mão.

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”
Arte: Morchoisne
MAHATMA GANDHI

Mohandas Karamchand Gandhi nasceu no dia 2 de outubro de 1869 na Índia ocidental. Seu pai era um político local, e a mãe dele era uma Vaishnavite religiosa. Dedicou sua vida à luta pela independência da Índia, ocorrida em 1947. Pregava uma revolução não violenta, mesmo assim foi preso diversas vezes. Pregador da paz universal, tentou evitar a luta entre hindus e muçulmanos que estabeleceram o Paquistão. Ao aceitar a divisão do país, atraiu o ódio dos hindus. Em 30 de janeiro de 1948, aos 79 anos, foi assassinado por um hindu enfurecido durante uma reunião de oração. Com seu último suspiro o Mahatma cantou o nome de Deus.


sobrevivente

apesar
de tudo
eu me
amanheço

© Ademir Antonio Bacca
Arte: Bernhard Prinz
SALVADOR DALI

No dia 23 de janeiro de 1989 morria o grande pintor espanhol Salvador Dali. Nascido em 11 de maio de 1904, na cidade espanhola de Figueras, adepto ao surrealismo, um realismo minucioso, quase fotográfico, onde o épico, o místico e o erótico se confundiam. Era um artista showman da sua própria obra e transformou-se num dos maiores pintores de todos os tempos.


se tem essa distância
entre nós,
erramos o traçado
da nossa estrada
numa dessas madrugadas
que nem vimos passar

o beijo
que tanta falta faz
terá se perdido
numa esquina desavisada?

© Ademir Antonio Bacca

domingo, janeiro 14, 2007

Arte: "Floatila" © Ciro Marchetti
eu já não quero mais
a loucura da paixão

a mim me basta te amar
assim meio sem jeito,
feito menino aprendiz

já não me atraem
as luzes todas da sedução

há muito,
mariposa descuidada,
me deixei enganar
pelo brilho indecente
do teu olhar.

© Ademir Antonio Bacca
do livro: “O Relógio de Alice”


Hei-de soprar no trompete
até o anjo Gabriel dizer "basta!"
Depois, junto-me a ele e formamos um duo,
pois deve tocar trompete como gente grande.

LOUIS ARMSTRONG
1901 -1971

não intimido a palavra
nem tenho medo dela
quando ela me aparece desavisada
no meio da madrugada

não lhe rendo homenagens
nem lhe peço explicações

encaro-a de frente
olho
no
olho
e deixo que ela se
esparrame
à vontade pelo poema.

© Ademir Antonio Bacca
do livro: “O Relógio de Alice”
Arte: Baptistão
"Não consigo escrever poesia: não sou poeta.
Não consigo dispor as palavras com tal arte
que elas reflitam as sombras e a luz: não sou pintor...
Mas consigo fazer tudo isso com a música..."

WOLFANG AMADEUS MOZART
1756 - 1791
a canção do rio

ainda escuto
a canção do rio
da minha infância
a se perder em notas dispersas
por entre as pedras

uma canção
que lembra sonhos
que se banharam
nas águas que agora correm
bem longe daqui

ainda remendo sonhos
que me lembram
de tantos que se foram
e sempre me voltam
com as canções
que o rio da minha infância
embala a inquietude
do meu sono.

© Ademir Antonio Bacca
do livro: “O Relógio de Alice”


ACASO

Cada um que passa em nossa vida,
passa sozinho, pois cada pessoa é única
e nenhuma substitui outra.
Cada um que passa em nossa vida,
passa sozinho, mas não vai só
nem nos deixa sós.
Leva um pouco de nós mesmos,
deixa um pouco de si mesmo.
Há os que levam muito,
mas há os que não levam nada.
Essa é a maior responsabilidade de nossa vida,
e a prova de que duas almas
não se encontram ao acaso.

© ANTOINE DE SAINT-EXUPÉRY
1900-1944

quarta-feira, janeiro 03, 2007


Arte: Olbinski
da parte que me coube

de herança
o tempo me deixou
apenas a saudade
que acalento
com versos desajeitados
em noites de invernia

o vento
que balança as janelas
traz palavras
esquecidas nos anos
que reanimam
o fogo da paixão
que eu julgara
ter ele levado
para outros recantos

de herança sobrou-me
a tua lembrança
que se faz água do mar
e sempre volta para mim.


© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”
Arte: Bob Row

“Quando alguém faz uma teoria,
deve fazer uma teoria rigorosa,
mas quando tem uma idéia
que serve para um romance,
essa idéia não deve ser usada rigorosamente.
Pode-se ofendê-la e violá-la quando se quiser.
Do contrário, seria a morte da criação.”

UMBERTO ECO
do conformismo II

o fio de arame
não me assusta.

há muito que equilibro
o fardo dos meus medos
na tênue corda da emoção.

também não me assusta
o vôo cego do trapézio.

há muito que minhas emoções
mais caras
balançam no imaginário
das minhas noites confusas.

© Ademir Antonio Bacca
do livro “Panis et Circenses”

Arte: Rui Duarte
Aprender
com a experiência
dos outros
é menos penoso
do que aprender
com a própria.

JOSE SARAMAGO
incoerência

pela janela
entreaberta
entram
os acordes
da ave maria
enquanto leio
jorge amado
esparramado
no sofá

© Ademir Antonio Bacca
do livro “Plano de Vôo”