segunda-feira, fevereiro 13, 2006



INJUSTIÇA LITERÁRIA

A maior injustiça literária conhecida no Brasil em seus quinhentos e tantos anos de história foi cometida - e ainda é, quase que diariamente - contra o poeta paulista EDUARDO ALVES DA COSTA. Um excerto do seu poema "No Caminho com Maiakovski" vem sendo, através dos anos, atribuído erroneamente ao poeta russo Vladimir Maiakovski. O mais estranho é que jornalistas e formadores de opinião já renomados cometem este erro - o mais recente foi o colunista do Jornal Zero Hora de Porto Alegre, David Coimbra - e mesmo quando alertados, não fazem a devida correção, dando o crédito do poema ao seu verdadeiro autor. Nunca se deram ao trabalho de verificar junto aos livros de Maikovski. Se o fizessem, não encontrariam o poema lá e teriam que engolir suas próprias palavras. Quem errou primeiro foi o escritor Roberto Freire, no livro "Viva eu, viva tu, viva o rabo de tatu".
Trata-se de um dos mais belos poemas já escritos e publicados no Brasil. Se algum dia você ouvir alguém atribuí-lo a Maiakovski, utilize a última palavra do próprio poema e grite: MENTIRA! Apresento aos que não conhecem, o poema na sua íntegra, ressaltando em vermelho o texto que virou um ícone na luta contra a ditadura e que popularizou Maikovski entre os estudantes e a esquerda brasileira, muito mais do que a sua excelente obra.

NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKI
Eduardo Alves da Costa


Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.
Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na Segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne a aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA
!

Um comentário:

Anônimo disse...

Bacca, excelente seu blog.
Belas palavras sobre Eduardo Alves da Costa. Bons poemas e excelentes desenhos. Bom de se ver e ouvir em silencio a voz do poeta.

Grande abrazo,
Claufe