Vista do centro de Bento Gonçalves nos anos 60, aparecendo em primeiro plano, à esquerda, a escola General Bento Gonçalves da Silva, onde também funcionava o Colégio Mestre Santa Bárbar, no qual eu e Cimenti estudávamos.
Dia da criança
© JAIME CIMENTI
Não tenho saudades da minha infância. Ela está aqui comigo, concreta como uma fantasia real. Pego-a como se fosse um cacho de uvas, degusto-a feito um galeto com polenta e a sorvo como se fosse uma gostosa sopa de capeletti. Os anos a trazem cada vez mais. Modéstia à parte, ou modéstia à pqp, nasci numa das partes mais bonitas de uma certa Europa, Bento Gonçalves, Serra gaúcha. A revista Veja desta semana chamou minha cidade e outras onze de "o vale da felicidade, um Brasil Europeu, de Primeiro Mundo, a uma hora de Porto Alegre". Não exagerou. Ao contrário, até foi comedida. O vale da felicidade é até melhor do que a Europa. É o novo, o futuro que já chegou, cheio de crianças, esperanças, distribuição de renda e outras maravilhas. É uma espécie de região nórdica sem tantas rochas, frio, planejamentos, impostos e suicídios. Saí apenas fisicamente de Bento em 1966, aos doze. Bento jamais saiu e sairá de mim. Lá eu vi pela primeira vez a luz do sol e vivi a melhor e mais importante fase da minha vida. Posso não ter feito muita coisa, posso não ter sido um Da Vinci, um Michelangelo, mas só ter nascido em Bento já é muito e demais para um ser. Meu velho amigo Jader Tagliari ainda está lá, minha querida professora Adyles Ros de Souza, que me animou a escrever, está lá (se não aprendi, a culpa é minha). O caríssimo Ademir Bacca segue agitando os lances culturais em Bento e no Brasil. Minha memória seletiva vai se encarregando de esquecer as poucas coisas ruins daqueles verdes anos. Melhor lembrar só as boas. O perfume dos parreirais maduros da família Benedetti, na Linha Salgado, iluminados apenas pelo luar das noites de verão, é lembrança mais do que suficiente para encher os balões de muitos dias da criança. Lembrar de meus dias de guri em Bento e ler sempre as notícias boas da Capital Brasileira do Vinho, que agora tem um finíssimo Spa do Vinho à moda européia, me aquece a alma, me faz pular da cama e ir adiante.Me faz pensar que nós e o Brasil temos outra saída além do aeroporto. Direita? Esquerda? Tropa de Elite? Traficantes? Câmara e Senado? Melhor pensar nas partes do Brasil que dão certo, que vão para a frente, movidas pela energia do trabalho, da alegria e, claro, de um vinhozinho bom. A força desse exemplo e desse pensamento vai nos ajudar a refletir e agir sobre o País que queremos e merecemos.
* JAIME CIMENTI é escritor e colunista literário do Jornal do Comércio, de Porto Alegre, onde esta crônica foi publicada originalmente, além, claro, de amigo de infância deste poeta.
4 comentários:
cronica que ajuda a afstar aquela sensação de distancia dos bons tempos. grande abraço
Bacca, teu blog é sempre um ponto de parada obrigatória e devo dizer que, sem dúvida, é dos mais produtivos!
Não bastasse tua poesia que por si só já vale a visita e a permanência da leitura, tu ainda nos brinda com a genialidade de outros tantos escritores.
Parabenizo aos dois...
A você pela generosidade e ao Jaime pelo encantamento que ele nos transmitiu nessa belíssima crônica.
Abraços poéticos!
Querido poeta,
Mais uma vez foi um presente passar por aqui. Me deliciei com as palavras do seu querido amigo.
Para vocês um pouco de Bandeira:
"Vão demolir esta casa.
Mas meu quarto vai ficar,
Não como forma imperfeita
Neste mundo de aparências:
Vai ficar na eternidade,
Com seus livros, com seus quadros,
Intacto, suspenso no ar!"
(Manuel Bandeira)
ABS
Com carinho,
Leonor Cordeiro
Essa crõnica é um convite muito apetitoso...
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