A QUEIMADA
© LEDO IVO
(1924 – 2012)
Queime tudo o
que puder:
as cartas de
amor
as contas
telefônicas
o rol de roupas
sujas
as escrituras e
certidões
as
inconfidências dos confrades ressentidos
a confissão
interrompida
o poema erótico
que ratifica a impotência
e anuncia a
arteriosclerose
os recortes
antigos e as fotografias amareladas.
Não deixe aos
herdeiros esfaimados
nenhuma herança
de papel.
Seja como os
lobos : more num covil
e só mostre à
canalha das ruas os seus dentes afiados.
Viva e morra
fechado como um caracol.
Diga sempre não
à escória eletrônica.
Destrua os
poemas inacabados,os rascunhos,
as variantes e
os fragmentos
que provocam o
orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.
Não deixe aos
catadores do lixo literário nenhuma migalha.
Não confie a
ninguém o seu segredo.
A verdade não
pode ser dita.
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