quarta-feira, novembro 14, 2007

Arte: The Guardian © Ben Goossens

toda palavra

toda palavra
devora entranhas
e alimenta medos

toda palavra
que corta fundo
reparte o sangue
entre a terra
e o corpo

mas toda palavra
que cala,
divide dois mundos
para sempre

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”
Arte: Tentação e Corrupção © ANGEL BOLIGÁN


dos sabores

doce
a melancolia
que me invade,
de mansinho,
mal anoitece o dia
e consola,
feito música,
que vem não se sabe
de onde

doce
a tua lembrança,
que volta
e envolve feito abraço
nunca esquecido

amargo
aquele que não se rende
à saudade
e deixa fechadas
as janelas da memória

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”



de dores & dúvidas

essa dor
começou
no exato momento
em que ela
foi embora

um buraco
no meio do peito

será
que meu coração
foi junto?

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”

segunda-feira, outubro 29, 2007



Asterix & Obelix

Para os fãs de histórias em quadrinhos, o dia 29 de outubro tem um significado muito especial, pois foi nesta data, no ano de 1959, que foi publicado o primeiro número de Asterix e Obelix. Aconteceu na França. Trata-se de um dos mais exitosos êxitos da história dos quadrinhos mundial, criada por Alberto Uderzo e René Goscinny. Mesmo com a morte de Goscinny, em 1977, a dupla de gauleses continuou fazendo sucesso pois sua filha Sylvie, passou a dividir a criação com Uderzo.
As histórias de Asterix e Obelix foram traduzidas para mais de 100 idiomas e estão reunidas em 33 álbuns, além de terem inspirado 11 adaptações para o cinema e inspirado a criação de jogos, brinquedos e até um parque temático.

quinta-feira, outubro 18, 2007


CHUCK BERRY

Em 18 de outubro de 1926, nasce Chuck Berry, numa família modesta de Saint Louis, Missouri. Ele já tocava guitarra na adolescência, mas parou com a música durante os três anos que passou num reformatório, por tentativa de roubo. Berry é considerado um mito do rock, comparado inclusive a Elvis Presley.
Vista do centro de Bento Gonçalves nos anos 60, aparecendo em primeiro plano, à esquerda, a escola General Bento Gonçalves da Silva, onde também funcionava o Colégio Mestre Santa Bárbar, no qual eu e Cimenti estudávamos.


Dia da criança

© JAIME CIMENTI

Não tenho saudades da minha infância. Ela está aqui comigo, concreta como uma fantasia real. Pego-a como se fosse um cacho de uvas, degusto-a feito um galeto com polenta e a sorvo como se fosse uma gostosa sopa de capeletti. Os anos a trazem cada vez mais. Modéstia à parte, ou modéstia à pqp, nasci numa das partes mais bonitas de uma certa Europa, Bento Gonçalves, Serra gaúcha. A revista Veja desta semana chamou minha cidade e outras onze de "o vale da felicidade, um Brasil Europeu, de Primeiro Mundo, a uma hora de Porto Alegre". Não exagerou. Ao contrário, até foi comedida. O vale da felicidade é até melhor do que a Europa. É o novo, o futuro que já chegou, cheio de crianças, esperanças, distribuição de renda e outras maravilhas. É uma espécie de região nórdica sem tantas rochas, frio, planejamentos, impostos e suicídios. Saí apenas fisicamente de Bento em 1966, aos doze. Bento jamais saiu e sairá de mim. Lá eu vi pela primeira vez a luz do sol e vivi a melhor e mais importante fase da minha vida. Posso não ter feito muita coisa, posso não ter sido um Da Vinci, um Michelangelo, mas só ter nascido em Bento já é muito e demais para um ser. Meu velho amigo Jader Tagliari ainda está lá, minha querida professora Adyles Ros de Souza, que me animou a escrever, está lá (se não aprendi, a culpa é minha). O caríssimo Ademir Bacca segue agitando os lances culturais em Bento e no Brasil. Minha memória seletiva vai se encarregando de esquecer as poucas coisas ruins daqueles verdes anos. Melhor lembrar só as boas. O perfume dos parreirais maduros da família Benedetti, na Linha Salgado, iluminados apenas pelo luar das noites de verão, é lembrança mais do que suficiente para encher os balões de muitos dias da criança. Lembrar de meus dias de guri em Bento e ler sempre as notícias boas da Capital Brasileira do Vinho, que agora tem um finíssimo Spa do Vinho à moda européia, me aquece a alma, me faz pular da cama e ir adiante.Me faz pensar que nós e o Brasil temos outra saída além do aeroporto. Direita? Esquerda? Tropa de Elite? Traficantes? Câmara e Senado? Melhor pensar nas partes do Brasil que dão certo, que vão para a frente, movidas pela energia do trabalho, da alegria e, claro, de um vinhozinho bom. A força desse exemplo e desse pensamento vai nos ajudar a refletir e agir sobre o País que queremos e merecemos.

*
JAIME CIMENTI é escritor e colunista literário do Jornal do Comércio, de Porto Alegre, onde esta crônica foi publicada originalmente, além, claro, de amigo de infância deste poeta.

sábado, outubro 13, 2007

Arte: Willian

PAULO AUTRAN
1922 - 2007

Na noite de ontem, caiu o pano para o espetáculo derradeiro do maior nome do teatro brasileiro de todos os tempos. Paulo Paquet Autran, carioca da gema, se foi aos 85 anos deixando para trás o rastro de 90 peças teatrais, filmes e novelas para a televisão.
Tinha tamanha afeição pelo Rio Grande do Sul que em 2000, ao receber o título de Cidadão Honorário de Porto Alegre dizer que “a cada vez que eu vinha ao Rio Grande com uma peça, ficava feliz com o sucesso, mas com uma sensação de inferioridade. Isso porque eu pensava: ‘eles são gaúchos e eu não”. Agora, sou tão gaúcho como vocês”.
Fumante inveterado, ao se referir ao vício dizia: “fumo porque sou burro”.
A FESTA DE BACCA

© ROGERIO SANTOS

na verve do vinho
há tinta de sangue
que jorra no verso

na taça onímoda
o brinde-cidade
da festa de Bacca

sagrada vindima
colheita bendita
tinteiro de Baco

enfeita a fruteira
centelha poema
de átomo ato

( Para o poeta Ademir Bacca )
Doris Lessing:
Um Nobel feminino para a Literatura

Autora de obra vasta, variada e marcada pelo feminismo e pelo compromisso político, a britânica DORIS LESSING foi escolhida para receber o Prêmio Nobel de Literatura 2007.
Os livros de Lessing inspiraram feministas, esquerdistas e militantes anti-racismo. Sua ficção montou um grande panorama das tensões do século XX. O livro que a projetou internacionalmente foi “O Caderno Dourado”, lançado em 1962, e retrata a encruzilhada da condição feminina, o comunismo britânico e a guerra colonial da Rodésia do Sul. O que há de mais novo nas livrarias da autora é “O sonho mais doce”, na qual a autora faz um balanço amargo das utopias do século passado.

terça-feira, outubro 09, 2007

Arte: Stilleben mit der goldenen taschenuhr © Von Pavel Kaplun



dois

toda paixão
é jogo de dois

dois corpos
dois medos
duas possibilidades

toda paixão
é um sonho
fragmentado
em dois

© Ademir Antonio Bacca
do livro “Gritos por dentro das palavras”

Arte: W. Fornero
MORRE CHE GUEVARA

No dia 9 de outubro de 1967, morria assassinado no vilarejo isolado de La Higuera, na Bolívia, o guerrilheiro Ernesto Che Guevara. Capturado no dia anterior, Che foi morto pelo suboficial do exército boliviano Mario Terán. Seu corpo ficou desaparecido por 30 anos, o que acabou contribuindo para transformá-lo num ícone mundial de todos os movimentos esquerdistas, embora muitos dos que usaram seu nome em vão estejam hoje de braços dados justamente com aqueles a quem Che combatia.
Tropel

emoções
e fantasias
galopam
em mim
lado a lado
perigosamente

no baixar
da poeira
nem sempre
repenso
os meus medos

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”



NASCE JOHN LENNON

No dia 09 de outubro de 1940 nascia John Lennon, o mais famoso dos Beatles. Se estivesse vivo, estaria completando 67 anos hoje. Mas teve sua história terminada aos 40 anos, quando foi assassinado em 1980. Sua música, sua mensagem, sua imagem e influência, porém, ainda são estrelas guias de gerações de fãs que se sucedem a cada ano que passa.

do que me basta

eu já não quero mais
a loucura da paixão

a mim me basta te amar
assim meio sem jeito,
feito menino aprendiz

já não me atraem
as luzes todas da sedução

há muito,
mariposa descuidada,
que me deixei enganar
pelo brilho indecente
do teu olhar.

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”
BETTE DAVIS

A diva de Hollywood nasceu em 5 de abril de 1908, no estado de Massachutes, e morreu aos 81 anos de idade, no dia 6 de outubro de 1989. Atuou ao lado de Humphrey Bogart no início da carreira. Foi indicada oito vezes ao Oscar, e ganhou duas, por Perigosa (Dangerous) e Jezebel.
O POETA RÚSTICO

© OSCAR BERTHOLDO
1935 – 1991

Quando não houver mais o ofício
de guardar no corpo a razão de ser,
os arados conferirão as encostas,
terei a noite nas mãos.
Nunca soube medir as redondezas
das raízes nem o rosto fatal
dos que ainda não nasceram.
O vale é hóspede que se demora.
Meu outro lado necessário,
de dia nos olhos, de noite nos ouvidos
nem bem nos olhos e nos ouvidos
mas amplo dentro de mim –
árvore com as medidas dos frutos
a todos os que passarem.
Longe daqui sou condenado,
conheço a vida sem crepúsculo,
junto à mesa o sofrimento arde
como lenha seca, o tempo é lento.
Quando sós, as frutas são mais doces.
Sem ambições, nutro poemas serenos
cato seiva à força e
mais fundo o amor. Sou precário
no tamanho do mundo.

labirintos

a vida toda
tenho entrado
em labirintos
involuntariamente

de vez em quando
escapo de algum.

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”

quinta-feira, setembro 06, 2007

Arte: Joanne Brooker
LUCIANO PAVAROTTI
1935 - 2007

Morreu na madrugada desta quinta-feira, 6, o tenor italiano Luciano Pavarotti, aos 71 anos, em Modena, na Itália. A morte foi decorrência de um câncer no pâncreas Nascido na cidade de Modena, em 12 de outubro de 1935, Pavarotti teve sua primeira experiência musical no coro de sua cidade natal, no qual cantava com seu pai. Mais tarde, junto ao coral Gioachino Rossini, foi até o País de Gales para participar de um concurso internacional de canto. Venceram, e o evento aumentou a ambição do jovem Pavarotti de se tornar tenor. Estudou canto e conseguiu o diploma de maestro elementar. Mais tarde foi instruído por Arrigo Pola e por Ettore Campogalliani. Em 1961 venceu o prestigioso Concurso Internacional, que lhe deu a oportunidade de debutar, no mesmo ano, na ópera La Bohème, no papel do protagonista Rodolfo.
Pavarotti será sempre recordado pelos papéis principais que interpretou nos grandes clássicos da ópera mundial. Fez Aida, La Traviata, Madame Butterfly, Tosca, Pagliacci, Il Trovatore, Turandot, Baile de Máscaras, O Elixir do Amor, entre outros. Suas gravações dessas óperas estão entre as mais vendidas, inclusive Otelo, Andrea Chenier, Mary Stuart, Mefistófeles, Macbeth, Guilherme Tell e uma infinidade de obras, que fazem a carreira do tenor se confundir com a história da música clássica.
Seu álbum Pavarotti Essencial foi o primeiro disco clássico a alcançar o topo da parada pop britânica, ficando em primeiro lugar por cinco semanas. (Fonte: www.terra.com.br)


sexta-feira, agosto 31, 2007

Arte: "Echo" © Charito Gil

das cruzes

na falta de pão,
o moleque reparte a emoção
de desafiar a sorte.

pingente de trem.

na falta de circo,
o moleque reparte a realidade
de desafiar o sonho.

pingente da emoção.

ma falta de perspectivas,
o moleque reparte a necessidade
de desafiar a lei.

estatística de jornal.

© Ademir Antonio Bacca
do livro “Panis et Circenses”

sonolência

tem vezes
que o dono do tempo
tece o dia
com a pressa
dos que não têm
nada para fazer

© Ademir Antonio Bacca
do livro “Grito por dentro das palavras”

Arte: DAC
"O único tirano que aceito
neste mundo
é a voz silenciosa
dentro de mim,
a consciência".

MAHATMA GHANDI
1869 – 1948
tudo vale a pena

te permitas
todos os desejos
e nenhuma culpa,

todos os prazeres
e nenhuma algema

te permitas
todos os sonhos
e nenhuma intenção de despertar

porque a vida,
do jeito que está,
não é fácil de se tocar

te permitas
todas as palavras
e nenhuma desculpa,

todas as viagens
e nenhum plano de voltar

te permitas
todos os gozos
e nenhum pudor

deixe que a paixão
te abrace do jeito que vier

porque a estrada da felicidade
a gente nunca sabe aonde começa
e nem onde vai dar.

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”
Arte: Baptistão
"Palavra puxa palavra,
uma idéia traz outra,
e assim se faz um livro,
um governo,
ou uma revolução,
alguns dizem mesmo
que assim é que a natureza compôs
as suas espécies".

MACHADO DE ASSIS
1839 - 1908
Arte: TV or not TV © ANGEL BOLIGÁN

do olhar que entristece a canção do rio

a água correndo
entre as pedras
entoa a canção triste
do rio
que segue o mesmo curso
de todos os dias

uma canção
que fala de vida e de morte
que lembra tristezas
e falta de sorte

a água que corre
entre as pedras do rio
se perde sempre
no fundo dos teus olhos
tristes

© Ademir Antonio Bacca
do livro “Grito por dentro das palavras”
bisturi

na madrugada
tem vezes
que a palavra
é faca de corte
a dissecar
as entranhas
da paixão

© Ademir Antonio Bacca
do livro “Grito por dentro das palavras”

segunda-feira, agosto 06, 2007

Arte: "Feeling of emptiness" © Ben Goossens

descuidado

tantas vezes abri a mala
no meio da rua
em busca de alguma coisa tua

uma fotografia
um bilhete
um objeto esquecido
ao acaso

mas,
descuidado,
toda vez
que abro a mala
no meio da rua
sempre me foge
alguma coisa
tua

Ademir Antonio Bacca
do livro “Grito por dentro das Palavras”
Arte: Achille Superbi

No dia 7 de agosto de 1957 a morte de Oliver Hardy deixava a infância de muitas gerações mais triste. Chegava ao fim a dupla humorística “O Gordo e o Magro” (Stan & Ollie), alegria das antigas tardes de matinês nos cinemas de todo o mundo. Stan Laurel era o magro. Hardy morreu aos 65 anos, em decorrência de problemas cardíacos.
balada para théo

digo,
meu filho,
que só sonhar
não constrói
vida alguma

é preciso arar a terra,
domesticar a semente
e fazer de cada amanhecer
um recomeçar

digo,
meu filho
que só palavras
não constroem
poema algum

é preciso moldar o barro
pacientemente
e tirar da emoção
a forma do dia ideal

digo,
meu filho,
que viver
não é só abrir a porta
e ir pela estrada
que se desenha
diante dos nossos pés

há que se equilibrar
a esperança
na linha do horizonte
e ensaiar cada passo
com a determinação
de um bailarino
em noite de gala
no teatro nacional

digo,
meu filho,
que é preciso regar
o sonho
com o orvalho
das manhãs de primavera
e semear amor
e esperanças de dias melhores
para que quando a noite
se fizer sombra
possamos todos
dormir em paz

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”
Arte: Kim
RACHEL DE QUEIROZ
17 de novembro de 1910
04 de novembro de 2003

No dia 3 de agosto de 1977, a escritora Rachel de Queiroz quebrou um tabu quase secular e tornou-se a primeira mulher a ser admitida na Academia Brasileira de Letras. Até então, a casa de Machado de Assis era reduto exclusivo masculino. A façanha da consagrada escritora cearense abriu portas para que anos mais tarde, Nélida Piñon presidisse a ABL.
das mãos quase vazias

barco
que não tem
aonde ancorar
trago comigo
míseros versos
pescados ao acaso
na nascente
dos teus dias.

© Ademir Antonio Bacca
do livro “Grito por dentro das Palavras”
Arte: Deano Minton
MARILYN MONROE
01 de Junho de 1926
05 de Agosto de 1962

Um dos maiores símbolos sexuais já produzidos por Hollywood, Norma Jean Baker Mortenson (Marilyn Monroe) nasceu em Los Angeles,Califórnia, e viveu parte da infância em orfanatos. Casou-se aos 16 anos, com James Dougherty, e aproveitou quando o marido serviu na 2ª Guerra para tentar a sorte no cinema. Começou com pequenas aparições em "O Segredo das Jóias" (1950) e "A Malvada" (1950), e despontou com "Só a Mulher Peca" (1952) e "Torrentes de Paixão" (1953). Depois, virou mito. Sua exuberância pode ser conferida em "Os Homens Preferem as Louras" (1953), "O Pecado Mora ao Lado" (1955) e "Quanto Mais Quente Melhor" (1959). Divorciada de James Dougherty, casou-se com o ex-jogador de beisebol Joe Di Maggio e com o dramaturgo Arthur Miller. Teve um romance com o ator francês Yves Montand durante as filmagens de "Adorável Pecadora" (1960), e teria mantido relações jamais esclarecidas com o então presidente John Kennedy e com seu irmão, Robert. A hipótese de que ela teria sido amante dos Kennedy ganhou força quando se constatou que sua casa foi vasculhada - supostamente por agentes da CIA - antes da chegada da polícia no dia em que morreu, devido a uma overdose de sedativos e barbitúricos. Mas não existem provas concretas, apenas suposições e depoimentos - alguns dos quais aparecem no documentário inglês "Marilyn e os Kennedy" (1985). No fim, a glamurosa loura de Hollywood morreu durante seu sono com a jovem idade de 36 anos em 05 de agosto de 1962. Elton John e Bernie Taupin escreveram uma vez sobre Marilyn, "A vela se apagou muito antes do que a lenda que ainda continua acesa". Sua "vela" pode ter se apagado, mas as chamas de Marilyn brilham mais forte do que nunca. (Fonte:
http://www.webcine.com.br ).
a poesia
quando acontece
risca um fósforo no céu
e quebra a monotonia
da noite do poeta

a poesia
quando acontece
abre portas no meio da noite
e levanta âncoras
sem dar a mínima
para a tempestade
que se anuncia
na noite do poeta

© Ademir Antonio Bacca
do livro “Grito por dentro das Palavras”

CARMEM MIRANDA
09-02-1909, Marco de Canavezes, Portugal
05-08-1955, Beverly Hills, Estados Unidos

Carmem Miranda marcou tanto com seu jeito de cantar, revirando os olhos, mexendo com as mãos e gingando com seus sorriso contagiante e a graça de seus trajes cheios de balangandãs que até hoje, cinqüenta e dois anos após sua morte, é o símbolo brasileiro mais conhecido no mundo. Mais do que uma voz, foi um fenômeno do show business norte-americano. Aportando nos Estados Unidos no início da Segunda Guerra Mundial, representou vivamente a terra desconhecida e exótica, cheia de coqueiros, bananas, abacaxis, atendendo às necessidades fantasiosas e consumistas do povo norte-americano e alcançando a glória e a fortuna. De volta ao Brasil, depois de um ano ausente, foi recebida sob vaias em um show no Cassino da Urca, que abriu cantando South American Way. Em resposta bem-humorada ao público, lançou logo em seguida novo show, “Disseram que Voltei Americanizada”, de Vicente Paiva e Luiz Peixoto. Nascida Maria do Carmo Miranda da Cunha, em Marco de Canavezes, em Portugal, veio com 1 ano para o Rio de Janeiro. Depois de apresentar-se em bares cariocas interpretando Carlos Gardel, aos 20 anos gravou seu primeiro disco, com músicas como “Não Vá Sim'bora” e “Se o Samba é Moda”, de Josué de Barros, e se apresentou pela primeira vez no rádio, com “Iaiá Ioiô”, também de Josué de Barros. Tornou-se famosa ao gravar a marcha carnavalesca “Pra Você Gostar de Mim” (Taí, 1931), de Jubert de Carvalho, que vendeu mais de 35 mil discos. Em meio aos foliões, participou, em 1933, de seu primeiro longa-metragem, o documentário “A Voz do Carnaval”, de Adhemar Gonzaga e Humberto Mauro. Seu último filme no Brasil foi lançado às vésperas do Carnaval de 1938: “Bananas da Terra”, de João de Barro, no qual interpretou pela primeira vez a música “O que é que a baiana tem?”, de Dorival Caymmi, lançando definitivamente para o sucesso tanto o compositor como sua baiana estilizada. Embarcou com o grupo Bando da Lua para os Estados Unidos, em 1939. Estreou na Broadway, cativando de imediato a crítica e o público norte-americanos. Quatro anos depois, fez seu melhor filme, “The Gang's All Here” (1943), dirigido por Busby Berkeley, no qual faz o número mais famoso: “The Lady in the Tutti-Frutti Hat”, cantando num cenário tropicalíssimo, com bananas gigantescas se movendo. Morreu no dia 5 de agosto de 1955, aos 46 anos de idade, vitimada por um ataque cardíaco. fonte: http://biografias.netsaber.com.br )
botando a cabeça na boca do leão

encaro
o teu olhar
mesmo sabendo
do desafio:

nem te decifro,
nem me devoras
e a vida segue
seu curso
no outro lado da rua.

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”
Arte: "Paisagem Brasileira", de Lasar Segall
LASAR SEGALL
1891 – 1957


Lasar Segall, artista plástico lituano, naturalizado brasileiro, nasceu em Vilna, Lituânia, no dia 21 de julho de 1891 e morreu em São Paulo, no dia 2 de agosto de 1957. De família judia, desde cedo manifestou interesse pelo desenho. Iniciou seus estudos em 1905, quando entrou para a Academia de Desenho de Vilna. No ano seguinte, mudou-se para Berlim, passando a estudar na Academia Imperial de Berlim, durante cinco anos. Mudou-se, a seguir, para Dresden, estudando na Academia de Belas Artes. Em fins de 1912, Lasar Segall veio ao Brasil, encontrando-se com seus irmãos, que moravam aqui. Realizou suas primeiras exposições individuais em São Paulo e em Campinas, em 1913, mas regressou à Europa. Fundou, com um grupo de artistas, o movimento "Secessão de Dresden", em 1919, realizando, a seguir, diversas exposições na Europa. Segall mudou-se para o Brasil em 1923, dedicando-se, além da pintura, às artes decorativas. Criou, entre outros, a decoração do Baile Futurista, no Automóvel Clube de São Paulo, e os murais para o Pavilhão de Arte Moderna de Olívia Guedes Penteado.
O Museu Nacional de Arte Moderna preparou um grande retrospectiva de sua obra em 1957, em Paris. Lasar Segall morreu nesse mesmo ano, de problemas cardíacos, em sua casa, aos 66 anos.
Foi aqui, que segundo ele, “conheceu o milagre da luz e da cor”.


da marca eterna

das marcas
que o tempo não apaga
a que dói mais
é a cicatriz
do sonho desfeito

ninguém vê
mas marca para sempre.

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”

sexta-feira, julho 13, 2007

Arte: "Mars et Vénus" © Juan Alberto
maturação

o vinho envelhece com o tempo,
palavras se acomodam

os homens amadurecem
no passar das horas,
paixões se fortalecem

poemas consolam homens envelhecidos
e o vinho reanima paixões acomodadas

os anos que amadurecem o vinho
nos tonéis das caves
e envelhecem os homens,
renovam as palavras do poema
que permanece intacto
na paixão que descreve

por mais que o amor
tenha bebido na mesma fonte
e também tenha se deixado envelhecer
junto com o vinho,
se a paixão for das boas
jamais será vencida pela pressa
dos homens

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”

Não te amo como se fosses a rosa de sal,
topázio ou flechas de cravos
que propagam o fogo.

Te amo como se amam
Certas coisas obscuras, secretamente,
Entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce
e leva dentro de si, oculta,
a luz daquelas flores...

E graças a teu amor
vive escuro em meu corpo o apertado
aroma que ascendeu da terra.

Te amo sem saber como...
nem quando...
nem onde...

Te amo assim diretamente...
sem problemas...
sem orgulho...

Assim te amo
por que não sei amar...
de outra maneira
sendo assim deste modo!

Que não sou
nem és tão perto
que tua mão
sobre o meu peito é minha
tão perto que se fecham
teus olhos com meu sonho.

© PABLO NERUDA
12 de julho de 1904
23 de setembro de 1973
poema matutino

o primeiro poema
tem gosto de ressaca
nas palavras
e na boca insone

o primeiro poema
da manhã
traz sempre consigo
segredos da madrugada
que se foi
que só o coração do poeta
conhece.

© Ademir Antonio Bacca
Arte: Fornero
MERCEDES SOSA é argentina de Tucumán, onde nasceu em 9 de julho de 1935. Conhecida como “La Negra”, é a maior cantora latino-americana dos últimos tempos. Foi descoberta aos 15 anos, cantando num concurso em uma rádio de sua cidade. Ganhou um contrato de dois meses e gravou seu primeiro disco.
A consgração internacional veio em 1967, quando sua voz forte conquistou a Europa e os Estados Unidos. No Brasil o sucesso chegou-lhe através de interpretações magistrais de músicas de Milton Nascimento.

espólio

quando saí
da tua vida
levei pouca coisa,

uns sonhos
que não deram certo
e um vazio no peito
que não cabia
dentro da mala.

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”
Arte: Paulo Caruso

A BRUSCA POESIA DA MULHER AMADA

© VINICIUS DE MORAES

19 de outubro de 1913
9 de julho de 1980

Longe dos pescadores os rios infindáveis vão morrendo de sede lentamente...
Eles foram vistos caminhando de noite para o amor – oh, a mulher amada é
como a fonte!
A mulher amada é como o pensamento do filósofo sofrendo
A mulher amada é como o lago dormindo no cerro perdido
Mas quem é essa misteriosa que é como um círio crepitando no peito?
Essa que tem olhos, lábios e dedos dentro da forma inexistente?

Pelo trigo a nascer nas campinas de sol a terra amorosa elevou a face pálida dos lírios
E os lavradores foram se mudando em príncipes de mãos finas e rostos transfigurados...

Oh, a mulher amada é como a onda sozinha correndo distante das praias
Pousada no fundo estará a estrela, e mais além.

prato frio

a madrugada
muitas vezes
reaquece
medos esquecidos

© Ademir Antonio Bacca
RICHARD STARKEY, o RINGO STARR nasceu em Liverpool, no dia 7 de julho de 1940 e, EM 1962, entrou para os Beatles em substituição ao baterista Pete Best. Considerado o patinho feio daquela que é a maior banda de rock de todos os tempos, passou por vários problemas de saúde quando era pequeno, ficando internado em um total de três anos em hospitais de Liverpool. Por essa razão, Ringo acabou ficando atrasado na escola e aos 15 anos mal sabia ler e escrever. Começou a tocar em 1957, com sua própria banda, chamada The Eddie Clayton Skiffle Group. Em 1959, Ringo juntou-se ao grupo Raving Texans, que tinha como cantor Roy Storm. Posteriormente a banda mudou de nome para Rory Storm and the Hurricanes.
Nos Beatles, Ringo sempre cantou uma música nos shows e discos da banda. Entre as músicas que Ringo cantou nos Beatles estão: "Boys", "I Wanna Be Your Man", "Honey Don't", "Act Naturally e "What Goes On" (esta última, co-escrita por John, Paul e Ringo). Porém Ringo compôs sozinho apenas duas músicas quando estava nos Beatles: "Don't Pass Me By", para o “Álbum Branco”, e Octopus's Garden" para o álbum “Abbey Road”. Apesar disso, os Beatles fizeram grande sucesso com duas cantadas por Ringo: "Yellow Submarine" do álbum “Revolver” e "With a Little Help From My Friends" do álbum “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”.
Ringo foi o único ex-beatle que participou de trabalhos solo de todos os outros ex-colegas de banda.
palavras de consolo
não brotam naturalmente
em mim

não sei consolar

diante da morte
a vida é do jeito que é:
estrada que dá no cais
onde não se chega,
só se vai

não busque em mim
a palavra que consola,

só o abraço que aquece
o sonho que continua

© Ademir Antonio Bacca
do livro “Grito por dentro das palavras”
Arte: Jose Serrudo

ÁSTOR PIAZZOLLA nasceu em Mar Del Plata no dia 11 de março de 1912 e morreu em Buenos Aires em 4 de julho de 1992. Músico fantástico, segundo muitos especialistas, foi o compositor de tango mais notável da segunda metade do século XX. Estudou harmonia e música erudita com a compositora e diretora de orquestra francesa Nadia Boulanter, que foi aluna de Sergei Rachmaninoff. Em sua juventude, tocou e realizou arranjos orquestrais para Anibal Troillo. Quando começou a fazer inovações no tango, no ritmo, no timbre e na harmonia, foi muito criticado pelos tocadores de tango mais antigos.
Quando os mais ortodoxos, durante a década de 60, bradaram que a música dele não era de fato tango, Piazzolla respondia-lhes que era música contemporânea de Buenos Aires. Para seus seguidores e apreciadores, essa música certamente representava melhor a imagem da metrópole argentina.
Sua composição mais famosa é “Balada para un loco”, da qual Moacyr Franco, nos anos 70, fez uma versão magistral, mas o disco mais marcante de sua carreira é “Libertango”.
INTOCÁVEIS

© JADE DANTAS

Escorrego nas palavras,
na densidade com que elas me provocam
e calo (com medo da imensidade).

Falo das palavras que me escondem.
Falo dos sonhos e dos segredos
intocáveis. Falo do refúgio úmido

onde te anseio. Do meu lado selvagem.
Falo da poesia da tua voz ao meu ouvido
e escorrego nas palavras. Falo de ti.

sexta-feira, junho 29, 2007

Arte: Ceslovas Cesnakevicius

nascente

água de fonte cristalina,
rio que nasce
bem no meio dos teus olhos
e começa a correr pela face
e vai desaguar silenciosamente
no mar
enquanto a vida perde o sentido
nas páginas do jornal

© Ademir Antonio Bacca

do livro em preparo “Grito por dentro das palavras”
Arte: Gogue
“Se não fossem as mulheres,
o homem ainda estaria agachado
em uma caverna,
comendo carne crua.
Nós só construímos a civilização
a fim de impressionar
nossas namoradas.”

ORSON WELLES
1915-1985
mosaico

os vestígios
que deixo nas mesas de bar
sei que o tempo não apaga

retalhos que se encaixam
um a um
na colcha de lembranças
que teço solitário,
entre um gole e outro,
enquanto não vens

© Ademir Antonio Bacca

"O que mais preocupa
não é nem o grito dos violentos,
dos corruptos,
dos desonestos,
dos sem caráter,
dos sem ética.
O que mais preocupa
é o silêncio dos bons."

MARTIN LUTHER KING
1929 - 1968
estrela guia

farol
no meio da noite
a palavra
ajuda o poeta
ancorar a sua dor
em corpo seguro
mesmo que
não tenha cais.

© Ademir Antonio Bacca

do livro em preparo “Grito por dentro das palavras”
Arte: Fraga
“Em meus textos.
quero chocar o leitor,
não deixar que ele repouse
na bengala dos lugares-comuns,
das expressões acostumadas
e domesticadas.
Quero obrigá-lo a sentir
uma novidade nas palavras.”

JOÃO GUIMARÃES ROSA
1908 – 1967
MADRUGADAS

© SUELY DE FREITAS MARTÍ

Flor do desejo
se abriu em mim
derrubando grossas grades
da minha janela;
cheiro de amor
se espalhou em mim
trazendo no vento forte
restos daquele sonho.
Com olhos presos na estrada
como se não existisse chegada
me desnudo de tudo e me perco em ti
e aquele anoitecer azul, distante
se espalha em nossos corpos
e nos veste
de antigas madrugadas.
"Sacrifice" © adebach / 2007 - Técnica: Fractal
Arte: Baptistão
“O escritor é um sujeito
que não se conforma com o mundo
do jeito que ele é,
por isso, inventa outro.”

ARIANO SUASSUNA
comunhão

partilho contigo este sonho
que se renova
antes que o dia amanheça

partilho contigo esta saudade
daquilo que fomos
e que não passa
junto com a chuva
que se esvai pela calçada

partilho contigo a palavra
de todos os dias
onde renovo a esperança
de que o nosso sonho
não se transforme
em mera saudade,
um dia.


© Ademir Antonio Bacca
do livro em preparo “Grito por dentro das palavras”

quinta-feira, junho 07, 2007

Arte: "Time goes by" © Manuel Lao

dia dos pais

tem
dias
que
a
vida
é

saudade

© Ademir Antonio Bacca
Arte: "La Paix" © Ademir Antonio Bacca - Técnica: Fractal

No dia 25 de maio recebi o e-mail abaixo, o qual comunicava minha nomeação para o cargo de “Embaixador da Paz”, cargo para o qual eu havia sido indicado pela Embaixadora do Poetas del Mundo no Brasil, escritora Delasnieve Daspet.

Nomination Ambassadeur de la Paix

Cher Monsieur,

Nous vous informons que notre Président Fondateur Jean Paul Nouchi a quitté son enveloppe physique le 07 avril 2007. Le cercle Universel des Ambassadeurs de la Paix continue avec la nouvelle présidente Gabrielle Simond dans le même esprit que notre Fondateur.
Votre nomination nous a été proposé par Delasnieve Daspet et nous acceptons de vous compter dans notre cercle.
Pour confirmation veuillez nous renvoyer rempli le texte qui suit :

Madame la Présidente
Cercle Universel des Ambassadeurs de la Paix
Universal Ambassador Peace Cicle
univ.ambassadorpeacecircle@orange.fr

Ainda movido pela emoção, fazia meus experimentos digitais no “Apophysis” e cheguei a este fractal, que passarei a usar como símbolo nesta minha nova atividade.


quando o desejo
caminha na corda bamba,
sobe escadas
e lança-se em vôo cego
pelas asas do trapézio
fecho os olhos,
rezo pro meu santo
e me deixo levar.

© Ademir Antonio Bacca
do livro em preparo “Panis et Circences”
Arte: Dálcio Machado
“A leitura
é o grande abismo
que separa o sábio
do incauto.”

CHICO BUARQUE DE HOLLANDA


sol refletido
nas águas da memória
tua lembrança faz parte
de um tempo que parou
na moldura da minha janela

© Ademir Antonio Bacca
do livro em preparo “Grito por dentro das palavras”
Arte: Bahar Movahed Bashir
"A beleza
é a única coisa
preciosa na vida.
É difícil encontrá-la
Mas quem consegue,
descobre tudo."

CHARLES CHAPLIN
(1889 – 1977)
o tempo de espera
é o divisor de águas
entre a paixão e o sonho

quantas lembranças
cabem dentro de uma noite
de saudade?

a palavra move
o moinho da emoção
em giros cadenciados
e lentos

toda espera se dilui
entre as pedras

© Ademir Antonio Bacca
do livro em preparo “Grito por dentro das palavras”

sexta-feira, maio 25, 2007

Arte: "Children of mind" © Charito Gil

manhãs de domingo

há um trem que passa por aqui
e desperta as minhas lembranças
com seu apito nostálgico

há um velho trem
a percorrer nas manhãs de domingo
os caminhos por onde andei
na minha infância que se foi
embarcada em seus vagões

no apito da velha maria fumaça
me deixo levar trilhos afora
toda vez que ela passa por aqui
e desperta o menino
que ainda corre, pés descalços
atrás de tantos sonhos
dentro de mim

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”
Abstrato 0160 © adebach
Técnica: Fractal

descuido

cavalo encilhado
que passava na porta
da sua vida
sem que percebesse
ser aquela a paixão
que tanto procurava
(e que acabaria
galopando em suas noites
de insônia
para o resto dos seus dias)
o poeta não se deu conta
que aquela era a hora

quando percebeu,
era tarde:
o tropel ia longe
e espalhava
sonhos mal dormidos
pelos campos da solidão

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”

das metades

nem sempre
a boca
que me sacia
sedes
está no corpo
que me aquieta
desejos.

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”

domingo, maio 20, 2007


E O POETA FOI MORAR NO VENTO SUL



Aidenor Aires*






Viver muito dá nisto: somar perdas, ficar inchado de coisas que vão nos deixando pelo caminho. Raramente, os que morrem jovens, os preferidos dos deuses, contam as dolorosas aquisições modernas: diabetes, colesterol, depressão, Alzheimer, Parkinson, hipertensão etc.etc. Morrer jovem é um ícone romântico que deixa hígida, festiva e futurosa a imagem do morto. Toda a vida que poderia ter sido. Todo o amor sorrindo. Todo o sonho de realização. Vejo em seus retratos o permanente sorriso celebrando a vida e a juventude. Não ocorre o mesmo com quem estendeu o dia solar da existência. Tem que enfrentar o meio dia causticante, a tarde bochornosa, o crepúsculo opaco ou sangrante. Mais que tudo, as defecções, as fugas e a crescente solidão de ver seu grupo ir encolhendo a cada dia. As perdas não se somam num buraco que afunda em nossas vidas. Elas têm rosto, são únicas. Cada uma dói sozinha. Não se confunde, nem se mistura. Sempre penso numa orquestra quando olho meus companheiros de jornada. Ela é a convergência compulsória de vontades individuais. Cada um quer executar seu instrumento, sua voz, sua parte na partitura, o momentâneo virtuosismo. Mas o maestro os reúne na grande voz da sinfonia. Se faltar um ou desafinar dói na melodia. No último dia 15 a poesia goiana se desafinou. Calou-se o poeta Aldair Aires que, apesar da quase homofonia do nome, não era meu parente. Talvez o fosse irmão pertencente à universal grei dos Aires, desembarcada em Catalão. Foram longos anos de amizade. Ele,com sua voz bem postada, de experimentado ator, repetindo, em chiste, a interjeição dolorosa inicial de meu nome: Ai! Ai!...denor. Depois, soltava uma gargalhada e me abraçava: - Como vai nego? Sua lembrança permeia uma geração que foi paradigmática em Goiás. Atuou no teatro, pertenceu ao Grupo de Escritores Novos, exerceu o magistério. Experimentou aventuras originais. Montou o restaurante Forno de Barro, onde transferiu a poesia para o fogão e a mesa. O saboroso e hoje universal peixe na telha, galinhadas esfuziantes e uma parede com autógrafos de artistas e celebridades que freqüentavam o restaurante. Desgarrou-se depois para a Bahia, para a Amazônia. Reaproximando de Goiás, encontrei-o em Barra do Garças, lecionando na universidade. Ali se aposentou, retornando a Goiânia, já com o incômodo da enfermidade que o torturaria até o fim. Sempre fiel à poesia, às amizades. Com a voz mutilada por uma cirurgia, esforçou-se até conseguir recuperá-la e voltou a declamar. Estivemos em Bento Gonçalves, em várias cidades do Chile em 2006. Já tinha se mudado para Silvânia, onde encontrara sua Parsargada. Voltara a sorrir. Dedicava-se às atividades culturais, pesquisa de folclore, artesanato e montara sua “egoteca”, com as lembranças que reunira na vida. Dia 15, seu instrumento de alento desafinou. Temos que fazer outra orquestra. Cumpriu seu mister, como vaticinou num poema: “Catar cacos de palavras/E ir juntando aos poucos/ O quebra cabeça da vida: Eis o ofício do poeta/Que desarvora/ A cada vento sul.”




*Aidenor Aires é escritor, da Academia Goiana de Letras, e publicou este texto originalmente no Jornal “Diário da Manhã”, de Goiânia.