segunda-feira, abril 13, 2015



Morre o escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano, aos 74 anos

Autor de 'As veias abertas da América Latina' estava internado por complicações decorrentes de um câncer de pulmão

 
 by Andres Stapff  / Reuters

 

Morreu na manhã desta segunda-feira, aos 74 anos, o escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano, em Montevidéu. Ele teve complicações decorrentes de um câncer de pulmão, diagnosticado em 2007, e estava internado no Centro de Assistência do Sindicato Médico do Uruguai desde sexta-feira.
Galeano escreveu mais de 50 livros (traduzidos para cerca de 20 idiomas), entre documentários, ficções e obras jornalísticas, e tinha o futebol, as mulheres, a cultura e o continente latino-americano como principais temas de interesse. Sua obra mais famosa foi "As veias abertas da América Latina", que, desde sua publicação, em 1971, se converteu em um clássico da literatura política do continente. Entre os livros notáveis do uruguaio, está também a trilogia "Memória do fogo".
"A utopia serve para caminhar. Um sentido 'até sempre' para quem foi um mestre de várias gerações", publicou, no Twitter, o senador e ex-chanceler do Uruguai Luis Almagro. "A morte de Eduardo Galeano impacta e dói. Ninguém pode preparar uma descrição tão poética do futebol quanto ele", comentou o jornalista esportivo uruguaio Martin Charquero.
A ex-senadora colombiana Piedad Córdoba Ruiz destacou o lado político do escritor: "Os pobres do mundo perdem um de seus grandes defensores. Descanse em paz, mestre Eduardo Galeano, e aqui seguiremos sua luta. #Tristeza", postou.
Nascido no dia 3 de setembro de 1940, aos 14 anos já vendia caricaturas para jornais de Montevidéu. Nos anos 1960, como jornalista, trabalhou no semanário "Marcha" e no diário "Época". Porém, antes de se tornar um jornalista e líder intelectual da esquerda, Galeano trabalhou como operário de fábrica, desenhista, pintor, office boy, datilógrafo, caixa de banco, entre outras ocupações.
Por conta do golpe militar uruguaio, Galeano deixou o país em 1973 e passou a morar na Argentina, onde fundou uma revista cultural chamada "Crisis". Quando voltou ao Uruguai, treze anos depois, criou o semanário "Brecha".
"Se foi Eduardo Galeano, fundador e referência do nosso semanário, integrante do Conselho Consultivo e colaborador assíduo de suas páginas", publicou o perfil do "Brecha" no Twitter.
Nos últimos meses, se dedicava a editar um novo livro chamado "Mujeres", que será lançado na quinta-feira, na Espanha. Trata-se de uma seleção de contos e relatos de Galeano dedicados a personagens femininos, sejam elas anônimas ou mundialmente famosas (como Sherazade e Marilyn Monroe). A capa é ilustrada por quatro esculturas artesanais feitas em Olinda e escolhidas por Galeano, que também supervisionou a edição dos textos.
"A única maneira para que a história não se repita é mantendo ela viva", escreveu certa vez o uruguaio. Depois do exílio, se não estava viajando, era fácil encontrar Galeano vagandos pelas ruas de Montevidéu ou sentado ao redor de uma das mesas do Café Brasileiro, na Cidade Velha, onde ordenava suas ideias ou participava de conversas com amigos e estranhos.
Em 2009, durante a Cúpula das Américas, o ex-presidente da Venezuela, Hugo Chávez, presenteou o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, com um exemplar do livro de Galeano (censurado pelas ditaduras do Uruguai, Argentina e Chile). Por conta da ocasião, em um dia, o livro pulou da 60.280ª para a décima posição na lista dos mais vendidos da Amazon.
Questionado sobre o episódio, Galeano respondeu que "nem Obama e nem Chávez entenderiam o texto. Ele (Chávez) entregou a Obama com as melhores intenções, mas lhe deu um livro em um idioma que Obama não conhece. Então, foi um gesto generoso, mas um pouco cruel".

AUTOR DIZIA QUE 'VEIAS ABERTAS' FICARA NO PASSADO

Galeano lançou "As veias abertas da América Latina" aos 31 anos e reconheceu posteriormente que ainda não tinha formação suficente para finalizar a tarefa naquela época.
Uma prova disso é que, durante entrevista coletiva em Brasília, em 2014, quando foi homenageado pela 2ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura, o autor surpreendeu a todos ao manifestar publicamente algumas reservas em relação à sua obra. "Eu não seria capaz de ler de novo esse livro, cairia desmaiado", declarou, para espanto geral dos jornalistas presentes.
Segundo registrou a jornalista Cynara Menezes em seu blog "Socialista Morena", o uruguaio não poupou críticas ao conteúdo de "Veias abertas", quatro décadas depois da sua primeira edição: "Depois de tantos anos, não me sinto tão ligado a esse livro como quando o escrevi. O tempo passou, comecei a tentar outras coisas, a me aproximar mais à realidade humana em geral e em especial à economia política — porque 'As veias abertas' tentou ser um livro de economia política, só que eu ainda não tinha a formação necessária. Não estou arrependido de tê-lo escrito, mas é uma etapa superada", complementou o autor, classificando a prosa de esquerda tradicional de "chatíssima".