sexta-feira, fevereiro 22, 2013


VINTE E UM ANOS SEM OSCAR BERTHOLDO

Exatos vinte e um anos atrás, no dia 22 de fevereiro de 1991, era assassinado em Farroupilha, o padre/poeta Oscar Bertholdo, o grande incentivador do movimento cultural da região de colonização italiana do Rio Grande do Sul. Naquele dia, meliantes invadiram sua casa em busca de ouro e dólares sem saber que entre aquelas paredes Bertholdo guardava um tesouro incalculável: poemas de grandeza imensurável. Vinte e tres facadas calaram a voz do poeta que cantou, como nenhum, o vale e os braços que transformaram uma região coberta por florestas numa das áreas mais produtivas do país.




ORAÇÃO POR UM CORPO

© OSCAR BERTHOLDO
1936 - 1991


Não há lugar para o texto, só o corpo.
Mas o corpo cadente é espada no meio
das mãos. Agora é tarde a palavra,
desapareceu a posse das coisas amadas.
O vento que vergara os teus cabelos
construiu a nostalgia de regressar à casa.
Nós somos só pó. Nada mais é texto,
o corpo existe desamparado
campo de tributos. Sem nome cato
o esquecimento. Corpo é texto
cada um joga o corpo para o lado
que quer. De repente o corpo é
conduzido ao mundo mal o vento
rompe o sol e as asas dos pássaros
encaram o dia com o mesmo espanto
possível da infância, o corpo é
sempre só. Trago dentro do texto
o cansaço. Sinto a noite corrompida
dizer teu nome, devagar...
Nenhuma estrela lembra o sexo grunhindo
feito morte escrava. Não há lugar
para o corpo. Se alguém vier, há de
tarjar o texto como sempre.
 

segunda-feira, fevereiro 04, 2013



das dores de santa maria

a dor tem tantas formas de doer
mas ela dói mais quando se chora
por quem não sentirá mais nenhuma dor

a dor tem jeitos diferentes de doer:
dói no corpo daqueles que se solidarizam
com o infortúnio dos outros,
tem vezes que dói até mesmo na indiferença
daqueles que não estão nem aí pela dor que os cerca

porém, a dor da indiferença
é a mais doída de todas as dores
porque ela fica represada entre muros insensíveis
que um dia haverão de se romper
e então todas as dores doerão numa só dor

por isso a dor pelos meninos mortos em santa maria
dói em cada um de nós
como se também estivéssemos
transitando sem rumo pelo inferno
de fogo & fumaça & desespero
do qual tantos não conseguiram escapar

é uma dor muda, entalada dentro da gente
que alguns vão suportar em silêncio,
cruz a ser carregada feito culpa
pela inoperância das nossas leis...

mas o conforto para tantas lágrimas
há de vir das bocas que não se calarão
e das vozes que não se deixarão sufocar
em memória de tanta vida, tanta alegria
e de tantos sonhos que nos escaparam
naquela maldita nuvem de fumaça.

© Ademir Antonio Bacca
27.01.2013
Arte: Kleber Sales

“... e a doçura é tanta que faz
insuportável cócega na alma.
Viver é mágico
e inteiramente inexplicável.”

CLARICE LISPECTOR
1920 - 1977


o meu
querer
e o meu
não querer
andam juntos
no mesmo
arame

um
é o meu fio
o outro,
o meu nó.

© Ademir Antonio Bacca
 
Poema Visual © Constança Lucas


dos cuidados que devemos ter

parece que nada mudou
mas não se enganem:
as feridas podem ser outras,
mas as dores,
ah! as dores, são as mesmas de ontem

parece que nada mudou
e que tudo não passa de impressão,
má lembrança dos anos que se foram,

mas não se iludam outra vez:
as nossas defesas continuam frágeis
e o medo de ontem
ainda periga nos matar
um dia desses...

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O grito por dentro das palavras”