segunda-feira, fevereiro 28, 2011

Feira do Livro de Bento Gonlçalves - 1986

A morte de Moacyr Scliar ainda repercutirá durante muitos dias em todos os cantos do país, especialmente aqui no Rio Grande do Sul, fato pouco comum por tratar-se de um escritor e não uma celebridade da música, do esporte ou da televisão.
A verdade é que em vida Scliar arrebanhou um exército de fãs não apenas pelo seu talento brilhante, mas também pela forma com que sempre tratou e cativou as pessoas. Não há um organizador de feira de livro no estado, nem um professor de literatura ou organizador de evento literário que não esteja lamentando sua morte, visto ele em vida nunca dizer não a um chamado para falar sobre sua obra.
A mim, em particular, sua morte deixa um vazio difícil de ser preenchido, tamanho foi o nosso convívio. Tive o privilégio de conquistar sua amizade pouco depois de ter publicado meu primeiro livro. A partir de então, além de incentivar meus escritos passou a ser colaborar assíduo dos dois jornais que eu editava, o LACONICUS e o GARATUJA, sem nunca ter cobrado um centavo pela cedência dos artigos.
Das dezoito edições já realizadas do Congresso Brasileiro de Poesia, ele participou de pelo menos oito. Não havia cerimônias entre nós, era tudo uma questão de espaço na agenda e não de cachê. Talvez neste quesito tenha sido o autor que mais prestigiou o programa “Autor Presente” criado pelo Instituto Estadual do Livro.
Em 1988, brindou-me com o prefácio do meu livro “Página de Jornal”, cujas palavras finais me emocionam até hoje: “A indignação de Ademir Antonio Bacca é a indignação de grande parte da juventude brasileira, diante da notícia que a gente não queria ser”.
Em aberto ficou apenas a sua ida que estávamos programando para minha cidade natal, Serafina Corrêa, “qualquer dia de qualquer mês depois da metade deste ano”, assim que sua agenda permitisse.
Se a literatura brasileira perdeu um ícone com a morte de Moacyr Scliar, todos aqueles que vivem e respiram cultura no estado perderam um referencial de lealdade, amizade e disponibilidade.

“A literatura não pode mudar o mundo,
mas a minha geração achava que sim.
Da mesma forma como acreditava
a geração de Jorge Amado, Graciliano Ramos
e Raquel de Queiroz.
Em todo caso, se a literatura mudar pessoas,
isso já é suficiente.
E ela muda.”

MOACYR SCLIAR
1937 - 2011

domingo, fevereiro 27, 2011

Arte: Fraga

"Sou filho de uma legítima mãe judia,
protetora e alimentadora.
Por isso sempre pensei que a literatura
deveria nutrir os leitores
e protegê-los das desilusões da vida".

MOACYR SCLIAR
1937 - 2011

terça-feira, fevereiro 22, 2011

Vinte anos sem Oscar Bertholdo

No final da tarde do dia 22 de fevereiro de 1991, dei uma ajeitada na bagunça da minha mesa na redação do Jornal Laconicus e fui para casa tomar um banho. À noite faríamos um sarau no bar Vôo Livre, em Caxias do Sul, para divulgar o II Congresso Brasileiro de Poesia, que seria realizado em maio daquele ano, na cidade de Nova Prata.

Conforme o combinado no dia anterior, na passagem por Farroupilha, entraria para pegar o poeta Oscar Bertholdo e iríamos juntos. Bertholdo teria a sua obra trabalhada junto às escolas durante o congresso, num projeto que tínhamos para tornar a sua poesia conhecida entre os estudantes de Nova Prata e região.

O toque insistente do telefone me tirou do chuveiro e a notícia veio com a força de uma bomba: Oscar havia sido assassinado durante um assalto.

Vinte anos hoje que quatro marginais invadiram sua casa em busca de dólares sem saber que naquela casa existiam apenas palavras que compunham poemas da mais alta qualidade. Três foram presos, o mentor não.

Logo mais, à meia-noite de hoje, prescreve o crime do poeta e seu mentor poderá circular livremente, graças aos benefícios da lei.

Vinte anos sem a presença cativante do poeta, suavizando a saudade lendo seus belíssimos poemas e lembrando de tudo aquilo que ele fez em favor do desenvolvimento cultural da nossa região.

As vinte e uma facadas que mataram o poeta não foram suficientes, porém, para calar a voz forte da poesia que canta o vale, a vindima, os braços fortes e a força dos imigrantes italianos.

Potro indomável


A lembrança

é um potro indomável

a galopar

os caminhos da memória

nas noites

em que o sono

não consegue encontrar

a porta de entrada

do mundo dos sonhos.


© Ademir Antonio Bacca

Arte: "Mascote Verde" by Angel Boligán

não sei se é o ir e vir das ondas

não sei se é o azul dos teus olhos

nem se a força das águas do mar

não passa de história de pescador


mas tem dias que o meu poema

tem gosto de sal


© Ademir Antonio Bacca

dos riscos


equilibrar

o medo

durante

a travessia


não olhar

para baixo

e não vacilar.


o bom de toda paixão

é a falta de rede

de proteção.


© Ademir Antonio Bacca

segunda-feira, fevereiro 21, 2011

Ade, Góia & Zali na sua festa de 90 anos

Bento um pouco mais triste

“E para isso fomos feitos” disse com toda propriedade o poeta Vinícius de Moraes ao definir a morte, mas por mais que tentemos nos consolar com estas palavras-verdade, nunca estaremos suficientemente preparados para isso. E então a morte de alguém que nos é muito caro sempre nos pegará de surpresa e aí não há palavra que nos console.

Hoje foi um desses dias. Um dia em que a cidade ficou mais triste. Dia em que nos despedimos de uma pessoa muito especial, que ao longo dos seus 93 anos de idade distribuiu alegria, amor e bondade. Sua casa sempre teve as portas abertas para os seus amigos e para os amigos dos seus filhos e numa convivência de mais de meio século, não guardo uma lembrança sequer de tê-la visto em momentos de baixo astral, salvo em raros momentos de perdas pessoais.

Se no cancioneiro popular italiano existe a “Casa de Irene”, aqui nós tínhamos a “Casa da Zali”, onde se cantava, se jogava cartas, se ria, se vivia sempre em alto astral.

ARZELINA ZAMBON ÁLVARES, ou simplesmente Dona Zali, mãe do Ito, do Disso, do Dáio, da Tita e da Piqui. Tia da Ivone, da Dione, do Mir, do multicampeão Gilberto Tim, da Góia e de tantos outros sobrinhos. Professora emérita, formou diversas gerações de empresários que hoje comandam os destinos industriais do município. Sua paixão por jogos de cartas manteve durante dezenas de anos quase meia centena de amigos em noitadas de alegria, a redor de mesas sempre comandadas por sua simpatia.

Vivemos hoje uma madrugada e uma manhã de muitas lembranças de histórias que escaparam do baú de lembranças destes anos todos que tivemos o privilégio de conviver em sua companhia.

Quando algum de nós aparecia em sua casa depois de alguns dias de ausência, era recebido sempre com o mesmo bordão: - Onde é que tu estavas que sumiu? Queres que eu te mate?

Ao morrer, ontem, Dona Zali nos matou a todos um pouco com esta saudade que já dói forte dentro do peito.

nem todo poema

tem a pressa do rio

nem paciência

para moldar o caminho

ao redor da pedra


o poeta tem

tem a pressa da palavra


há dias

que ela flui fácil

tem vezes

que ela é mais dura

do que a pedra

no meio do rio.


© Ademir Antonio Bacca