segunda-feira, junho 21, 2010

Arte: Cortez
“Falta-nos reflexão, pensar,
precisamos do trabalho de pensar,
e parece-me que, sem idéias,
não vamos a parte nenhuma”.

JOSÉ SARAMAGO
(1922 – 2010)

Arte: Leandro Franco

POEMA À BOCA FECHADA

JOSE SARAMAGO
(1922 – 2010)

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que não me conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais boiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.


(De “Os Poemas Possíveis”, 1966)