sexta-feira, maio 25, 2007

Arte: "Children of mind" © Charito Gil

manhãs de domingo

há um trem que passa por aqui
e desperta as minhas lembranças
com seu apito nostálgico

há um velho trem
a percorrer nas manhãs de domingo
os caminhos por onde andei
na minha infância que se foi
embarcada em seus vagões

no apito da velha maria fumaça
me deixo levar trilhos afora
toda vez que ela passa por aqui
e desperta o menino
que ainda corre, pés descalços
atrás de tantos sonhos
dentro de mim

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”
Abstrato 0160 © adebach
Técnica: Fractal

descuido

cavalo encilhado
que passava na porta
da sua vida
sem que percebesse
ser aquela a paixão
que tanto procurava
(e que acabaria
galopando em suas noites
de insônia
para o resto dos seus dias)
o poeta não se deu conta
que aquela era a hora

quando percebeu,
era tarde:
o tropel ia longe
e espalhava
sonhos mal dormidos
pelos campos da solidão

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”

das metades

nem sempre
a boca
que me sacia
sedes
está no corpo
que me aquieta
desejos.

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”

domingo, maio 20, 2007


E O POETA FOI MORAR NO VENTO SUL



Aidenor Aires*






Viver muito dá nisto: somar perdas, ficar inchado de coisas que vão nos deixando pelo caminho. Raramente, os que morrem jovens, os preferidos dos deuses, contam as dolorosas aquisições modernas: diabetes, colesterol, depressão, Alzheimer, Parkinson, hipertensão etc.etc. Morrer jovem é um ícone romântico que deixa hígida, festiva e futurosa a imagem do morto. Toda a vida que poderia ter sido. Todo o amor sorrindo. Todo o sonho de realização. Vejo em seus retratos o permanente sorriso celebrando a vida e a juventude. Não ocorre o mesmo com quem estendeu o dia solar da existência. Tem que enfrentar o meio dia causticante, a tarde bochornosa, o crepúsculo opaco ou sangrante. Mais que tudo, as defecções, as fugas e a crescente solidão de ver seu grupo ir encolhendo a cada dia. As perdas não se somam num buraco que afunda em nossas vidas. Elas têm rosto, são únicas. Cada uma dói sozinha. Não se confunde, nem se mistura. Sempre penso numa orquestra quando olho meus companheiros de jornada. Ela é a convergência compulsória de vontades individuais. Cada um quer executar seu instrumento, sua voz, sua parte na partitura, o momentâneo virtuosismo. Mas o maestro os reúne na grande voz da sinfonia. Se faltar um ou desafinar dói na melodia. No último dia 15 a poesia goiana se desafinou. Calou-se o poeta Aldair Aires que, apesar da quase homofonia do nome, não era meu parente. Talvez o fosse irmão pertencente à universal grei dos Aires, desembarcada em Catalão. Foram longos anos de amizade. Ele,com sua voz bem postada, de experimentado ator, repetindo, em chiste, a interjeição dolorosa inicial de meu nome: Ai! Ai!...denor. Depois, soltava uma gargalhada e me abraçava: - Como vai nego? Sua lembrança permeia uma geração que foi paradigmática em Goiás. Atuou no teatro, pertenceu ao Grupo de Escritores Novos, exerceu o magistério. Experimentou aventuras originais. Montou o restaurante Forno de Barro, onde transferiu a poesia para o fogão e a mesa. O saboroso e hoje universal peixe na telha, galinhadas esfuziantes e uma parede com autógrafos de artistas e celebridades que freqüentavam o restaurante. Desgarrou-se depois para a Bahia, para a Amazônia. Reaproximando de Goiás, encontrei-o em Barra do Garças, lecionando na universidade. Ali se aposentou, retornando a Goiânia, já com o incômodo da enfermidade que o torturaria até o fim. Sempre fiel à poesia, às amizades. Com a voz mutilada por uma cirurgia, esforçou-se até conseguir recuperá-la e voltou a declamar. Estivemos em Bento Gonçalves, em várias cidades do Chile em 2006. Já tinha se mudado para Silvânia, onde encontrara sua Parsargada. Voltara a sorrir. Dedicava-se às atividades culturais, pesquisa de folclore, artesanato e montara sua “egoteca”, com as lembranças que reunira na vida. Dia 15, seu instrumento de alento desafinou. Temos que fazer outra orquestra. Cumpriu seu mister, como vaticinou num poema: “Catar cacos de palavras/E ir juntando aos poucos/ O quebra cabeça da vida: Eis o ofício do poeta/Que desarvora/ A cada vento sul.”




*Aidenor Aires é escritor, da Academia Goiana de Letras, e publicou este texto originalmente no Jornal “Diário da Manhã”, de Goiânia.

quarta-feira, maio 16, 2007


A POESIA BRASILEIRA PERDE ALDAIR AIRES

Uma das mais fortes vozes da poesia goiana calou-se na manhã de ontem, dia 15, em um hospital de Goiânia. Aldair Aires era um dos poetas goianos contemporâneos mais premiados nos últimos anos e um ser humano de múltiplas virtudes.
Tive o prazer de conviver com ele momentos inesquecíveis de poesia, de boemia e de conversas jogadas fora, seja em Goiânia ou aqui em Bento Gonçalves, em suas duas vindas ao Congresso Brasileiro de Poesia.
Quando esteve aqui em casa, trouxe-me não apenas jabuticabas colhidas no quintal de sua casa em Silvânia, como também uma garrafa do finíssimo licor que fazia e também uma garrafa de pinga goiana lindamente trabalhada e com poeminhas meus impressos no rótulo.
Aldair tinha uma consideração pela minha poesia que muitas vezes me deixava constrangido. Via em meus versos qualidades que por vezes eu achava que beiravam o exagero.
Escreveu críticas sobre meus livros “Pandorgas ao Vento” e “Plano de Vôo” e estava escrevendo o prefácio de “O Relógio de Alice” que não sei se chegou a concluir.
Sei sim da sua alegria com meus versos de quando recebeu o original do livro e meu pedido para que o prefaciasse. Em e-mail emocionado falou-me do quanto gostara do livro e pela primeira vez anunciou sua luta contra o câncer. Mas estava otimista e até brindou-me com um poema sobre o momento da chegada do meu original, que divido com vocês e faz parte desde já dos meus tesouros mais caros.
Foi-se o poeta, mas fica a sua poesia a imortalizá-lo nas letras goianas. Foi-se o amigo, mas ficam momentos belíssimos para aquecer as noites de saudade que virão.

O CORREIO E SUAS ASAS.

© ALDAIR AIRES

Nada de nada
Num corpo sonolento
De espantos e tédios.

Nada de nada
Numa cabeça entorpecida
Ainda pelos sons da máquina
metralhando raios em suas carnes,
em busca do que se esconde
no provável incerto
do que se teme.

De repente, o carteiro.
E seu sorriso e suas mãos
E uma caixa lacrada.
De Quê? De Quês?
O conteúdo no encoberto
De que seria? O que seria?
E interrogações ganharam asas
Giravam e giravam e giravam
Cirandas em torno e dentro
Da cabeça encharcada de abismos.

Um rasgo no invólucro
E um jorro cachoeirou de poesia
Corpo e alma e tudo, num desvario
Orgástico de vida.

Bacca abarcou a tarde morna
e fez ressurgir, nos nadas de então,
uma tênue e doce esperança
com a força de seus versos
e o Relógio de Alice estribilhou:
é hora de sentir a beleza da vida,
é hora de viver a grandeza da vida,
é hora de amar a poesia da vida.


REFLEXOS DA FEIRA DO LIVRO (2)

Também foi muito interessante reencontrar KLEDIR RAMIL, com quem estive na Feira do Livro de Ribeirão Preto alguns anos atrás. Fã incondicional de sua música desde os tempos do grupo “Almôndegas”, é com alegria que hoje vejo-o dividindo-se com o mesmo talento entre a dupla com o irmão Kleiton e a literatura, onde vem se revelando um cronista de primeira qualidade. Nosso papo rendeu uma bela entrevista para a Rádio Viva AM.


REFLEXOS DA FEIRA DO LIVRO (1)
A Feira do Livro de Bento Gonçalves sempre me proporciona momentos agradáveis. Seja pelo clima mágico de ver o livro na praça ou pelas crianças das escolas envolvidas em tantas promoções.
Mas a feira também é local de troca de experiências, de encontros com novos escritores e reencontros com amigos.
Foi o que aconteceu nesta vigésima segunda edição, quando tive a alegria de reencontrar o jornalista CACO BARCELLOS, que conheci aqui mesmo em Bento Gonçalves na metade dos anos setenta, quando ele era repórter da extinta Folha da Manhã e cobrimos juntos um caso de assassinato.

sábado, maio 05, 2007

Arte: "Häutung II" © Charito Gil

redescubro segredos nossos
em meio a antigas lembranças
que fogem da caixa de pandora
esquecida no fundo do armário

nas juras até então secretas
que fogem pela janela aberta,
estão todas as palavras
que não conseguimos salvar
do incêndio emocional
que queimou nossos sonhos
adolescentes
e ao abrir a janela dos meus dias,
descubro no que sobrou no fundo
da caixa de lembranças
que por mais frágil
que seja o sonho da madrugada,
ele sempre se renova ao amanhecer.

© Ademir Antonio Bacca
Foto: Glenn Traver

lembrete na agenda

todo sonho
se tece
com cautela.

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”
OUTONO

© MARGIT DIDJURGEIT

No silencio da luz,
reproduzo o som de minhas lembranças.

Já se foram os dias de primavera,
onde os sons, eram toda a sorte de risadas.

Foram-se também os verões,
tempo da colheita de anos amadurecidos,
dos frutos plenos e suculentos de energia.
Dos odores de pão quente.
Do sabor de vinho fresco.

Agora estou no outono,
a vida passa mais curta,
feito os dias desta estação.

Perscruto o meu interior,
reúno todas as boas lembranças.

As lembranças em minhas mãos,
são como as folhas, flores e frutos nesta estação.
Sua textura é aveludada.

E no silenciar dos sons desnecessários,
recolho as lembranças.
São os gravetos e folhas já quase secos,
caídos dos meus dias.
Arrancadas nos açoites de ventos e chuvas.

Guardo-os cuidadosamente.

Farei fogueiras nas minhas noites de meu inverno!


das divergências

a rede
que protege
teu corpo
não te defende
dos teus medos

o movimento
que leva teu corpo
ao espaço
não ergue teu sonho
um palmo acima do chão

trapezistas e peixes
divergem sobre redes
de contenção

© Ademir Antonio Bacca
do livro “O Relógio de Alice”
LEONARDO di Ser Piero DA VINCI
1452 – 1519

Leonardo da Vinci nasceu em 15 de abril de 1452, na cidade de Vinci, perto de Florença, e faleceu em 2 de maio de 1519, na França. Além de fazer muitos trabalhos artísticos, com o retrato de "Mona Lisa", "Del Giocondo", conhecida por "La Gioconda" e "A Última Ceia", foi poeta, matemático, arquiteto e engenheiro militar. Realizou desenhos e projetos em matemática, perspectiva, ótica, mecânica, balística, fortificações, hidráulica e astronomia, projetando também uma máquina para voar. Dedicou-se a vários problemas astronômicos e mostrou alguma evidência de fatos favoráveis à hipótese de que a Terra girava ao redor de seu eixo de rotação, idéia esta não aceita em sua época.
Seus cadernos eram recheados de desenhos e símbolos e observações que iam da acústica ao zodíaco. Começou estudando a ciência do movimento, via na força da água um propulsor das máquinas, acreditava que seu movimento e deslocamento era a chave da vida no mundo. Para Leonardo da Vinci, o sol não se movia e a Terra não estava no centro de sua órbita, nem no centro do universo. Acreditava ser a matemática a mais pura de todas as ciências, pois, revelava todas as leis e necessidades da natureza.
Como inventor, Leonardo previu o papel que as máquinas desempenhariam com eficiência e produtividade, isso porque seus desenhos constituem a primeira visão da revolução industrial que ocorreria mais de trezentos anos depois. Na área têxtil, desenhou um fuso móvel, um dispositivo para tornos, e para os metalúrgicos, um conjunto automático para rosca e parafuso.
Um dos estudos mais interessantes foi a elaboração de um instrumento que pudesse voar. Utilizou como modelo as asas de um morcego. Alongadamente às estruturas interdigitais do animal, construiu o instrumento voador, cujas funções eram a sustentação e o comando. Em muitos de seus inventos, utilizou as "asas móveis", que eram movidas através de alavancas e manivelas, manipuladas por um operador que ficava sentado e com as pernas abertas. (Fonte:
www.museutec.org.br )


amora

guardo em mim
o teu aroma mais doce
de uma noite de outono
que ainda não passou

gosto de fruta madura
a molhar meus lábios
nestas longas noites
de espera

© Ademir Antonio Bacca
do livro em preparo”Grito por dentro das Palavras”